São Paulo – Tem sido prática comum nos últimos anos investir no aumento e na capacitação das equipes de engenharia no Brasil em grandes fabricantes multinacionais de veículos e componentes. É o que confirmam os CEOs de algumas dessas empresas que estiveram presentes em painel do Congresso SAE Brasil, este ano realizado nos dias 16 e 17 de outubro sob o tema central Competências para o Futuro da Mobilidade Segura, Inteligente e Sustentável no Brasil.
Tanto no Brasil com investimentos estimulados pelos programas Rota 2030 e Mover, Mobilidade Verde e Inovação, como nas matrizes no Exterior com necessidades diversas de desenvolvimento ligado a digitalização e transformação energética, a aceleração de projetos justifica investir na engenharia brasileira, considerada competente e mais barata.
“O custo de desenvolvimento na Europa é o dobro do que temos aqui e nós trabalhamos mais horas”, apontou Christopher Podgorski, presidente da Scania Latin America. O executivo revelou que a área de engenharia da empresa em São Bernardo do Campo, SP, está sendo ampliada de trezentos para quatrocentos engenheiros, que executam projetos da fabricante de caminhões e ônibus para o mundo inteiro. “Respondemos por um quarto da capacidade global de produção da empresa, exportamos para diversos países e desenvolvemos soluções locais, o que justifica o fortalecimento de nossa engenharia no País.”
Gastón Diaz Perez, presidente da Bosch América Latina, lembrou que a subsidiária brasileira já é responsável global pelo desenvolvimento de componentes e sistemas com uso de biocombustíveis e está negociando com a matriz, na Alemanha, para sediar mais um departamento global. O executivo afirmou que a empresa tem no Brasil mais de 1 mil pessoas que trabalham no desenvolvimento de projetos digitais locais e globais “e no último ano duplicamos a execução de serviços para fora do País”.
A Toyota ainda resiste em entregar mais responsabilidades de engenharia à subsidiária brasileira, mas já permite o desenvolvimento de produtos locais, como relatou o CEO da empresa na América Latina, Rafael Chang: “Temos mais escala no Japão, mas como estamos desenvolvendo agora um veículo totalmente inédito [o SUV compacto híbrido flex que será lançado em 2025], que não existe em outro lugar no mundo, precisamos enviar vinte pessoas à matriz para trabalhar no projeto”.
Competência nacional
Podgorski disse que não só engenheiros mas também profissionais de outras áreas estão sendo cada vez mais requisitados pela empresa no Exterior: “Este ano já exportamos noventa executivos que foram trabalhar em diversas funções no Grupo Traton [holding que controla a Scania, MAN e Volkswagen Caminhões e Ônibus] e, principalmente, para ajudar a montar nossa nova fábrica na China”.
Perez observou que a alta volatilidade e as dificuldades sempre presentes nos negócios nos países latino-americanos moldaram profissionais flexíveis e habilidosos que, hoje, são requisitados em outros lugares: “Nossa habilidade de superar dificuldades constantes nos dá uma experiência única para encontrar saídas para um mundo que está cada vez mais volátil, não sei se para o bem ou para o mal, cada vez mais parecido com a América Latina”.
É a força da engenharia brasileira que transformou a brasileira Randoncorp de uma fabricante de carretas de aço em um conglomerado global de empresas com 35 fábricas e presença em mais de 120 países, como destacou o CEO Sérgio Carvalho: “Éramos uma empresa que dobrava e soldava aço para fazer semirreboques e hoje desenvolvemos dentro de casa tecnologia própria de digitalização, telemetria, componentes inovadores produzidos com nanotecnologia, veículos autônomos para uso confinado e lançamos a primeira carreta com tração elétrica auxiliar de 200 cavalos, com o eixo elétrico e-Sys da Suspensys, do qual entregamos recentemente a primeira unidade nos Estados Unidos”.
Mais talentos digitais
Para os CEOs e demais engenheiros reunidos no Congresso SAE Brasil é fundamental investir na formação de profissionais capacitados a desenvolver a crescente digitalização de sistemas dos veículos, mas eles não são exatamente os mesmos que hoje desenvolvem aplicativos para smartphones.
Perez, da Bosch, observou que “é um exagero dizer que o carro hoje é um celular sobre rodas”, porque é um produto que precisa ser bem mais do que isso: “Imagine que, hoje, um veículo tem de vinte a trinta centrais eletrônicas que controlam diferentes funções, e a tendência é que todas elas sejam substituídas por um ou dois computadores que vão controlar o carro inteiro. O problema é que se em um celular algum aplicativo como o WhatsApp falhar isto só causa um aborrecimento, mas no automóvel os freios não podem simplesmente parar de funcionar sob risco de causar graves riscos”.
Portanto os profissionais envolvidos nesse desenvolvimento precisam de formação avançada específica, pois certos sistemas não têm tolerância a erros.
No caso da Randoncorp o CEO Carvalho apontou que a demanda por digitalização cresceu tanto nos últimos anos que a decisão foi comprar e incorporar ao grupo duas empresas especializadas no desenvolvimento de sistemas: “Com isto hoje temos mais de setecentas pessoas dedicadas a desenvolver sistemas digitais para nossas empresas e para os nossos produtos. Faltam engenheiros de software no mercado e precisamos de pessoal flexível para se adaptar às rápidas mudanças pelas quais passamos. Temos de aprender a fazer em um ano o que fazíamos em dois”.
Perez afirmou que quer transformar a Bosch no Brasil em um centro de competência para exportar conteúdo digital. Para isto decidiu formar os profissionais de que vai precisar na Digital Talent Academy, que atualmente abriga cerca de trezentos jovens de 16 a 19 anos, escolhidos dentre 16 mil currículos enviados, em um curso técnico com módulos de digitalização, automação, desenvolvimento de software, inteligência artificial e análise de dados. Eles recebem desafios da própria empresa e quando terminam o programa perto de 90% são admitidos em diversas áreas da Bosch.
“Se quisermos ser desenvolvedores de sistemas digitais na nova era da indústria temos de investir em pessoas”, afirma Perez, lembrando que o País investiu na formação de engenheiros aeronáuticos antes de fundar a Embraer.
Foto: Ruy Hiza/Divulgação SAE Brasil