São Paulo – Se, na década passada, as exportações eram vistas como alternativa para escoar veículos parados nos pátios das montadoras, nos últimos tempos tanto fabricantes como o governo têm se atentado para a importância das vendas externas, até para justificar mais rapidamente os investimentos e deixar a operação mais sustentável, ao ganhar volume, diminuir os custos e equilibrar com a demanda do mercado interno.
Hoje, como no passado, o governo também está atento à oportunidade e, para isto, segundo o debate que abriu 6º Congresso de Negócios da Indústria Automotiva Latino-Americana, realizado por AutoData de 19 a 23 de agosto, é preciso que seja constituída política setorial nos mesmos moldes da aplicada na indústria automotiva com o Inovar-Auto, depois Rota 2030 e agora Mover. E o MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, conduzirá encontros com as partes, como Anfavea e Sindipeças, a partir da semana que vem, para discutir a questão.
Foi o que garantiu a diretora do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta-Média Complexidade Tecnológica do MDIC, Margarete Gandini, no painel que abriu o evento de AutoData e no qual estiveram presentes também o presidente da Anfavea, Marcio de Lima Leite, e o presidente do Sindipeças, Claudio Sahad.
“É necessário mudar o pensamento. Não só exportar quando tiver veículo sobrando no pátio nem olhar para América do Sul apenas como mercado”, disse Gandini. “Temos de ver a região como bloco com potencial para sermos representativos e poder voltar a participar das decisões das matrizes globais.”
De acordo com ela o Mover só tem recebido elogios porque foi construído a muitas mãos, incluída, aí, as do Sindipeças e as da Anfavea, ativamente, por um ano e meio: “Precisamos conjuntamente, governo e iniciativa privada, construir soluções para exportar, como uma política do setor”.
Para Gandini mais importante que o ritmo é a direção, e que é fundamental neste processo não haver a descontinuidade da estratégia política. Ela acredita que uma estrutura produtiva não se muda em quatro anos porém é preciso deixar os marcos legais da estratégia de pé para que, em um passo posterior, sejam criadas políticas de Estado:
“Foi o que o setor automotivo conseguiu, desde 2012, passando pelo Inovar-Auto, Rota 2030 e agora o Mover. Ou seja: a política automotiva, pode-se dizer, que é política de Estado, perpassou diferentes governos e continuou operando. E o mesmo precisamos fazer para o viés de exportação. Para colocar na produção brasileira a determinação de que uma parte será exportada.”
Ela também está convencida da importância de se ampliar a integração com a América do Sul em cadeias regionais a fim de reduzir a dependência de algumas cadeias globais que trouxeram problemas com a fragmentação no passado: “E reitero: o Brasil tem competências enraizadas para poder dar este passo”.
Em paralelo dirigentes defendem a necessidade da convergência regulatória
Presidente da Anfavea, Lima Leite ressalvou que, para o avanço definitivo das exportações, que as montadoras já entendem como algo irreversível, é imprescindível evoluir na harmonização regulatória com os países da região.
Ele expôs que não é razoável as fabricantes desenvolverem produtos para o Brasil e também com especificações para mercados como Colômbia, Peru e Chile, por exemplo: “Temos de ter produtos que atendam a todos esses países e o governo precisa buscar isto por meio de acordo, a fim de facilitar o fluxo”.
A retomada de comitês automotivos bilaterais também está no planejamento do MDIC a fim de trabalhar o tema da convergência regulatória e de programas de integração produtiva, apontou Gandini:
“O Brasil não tem conseguido avançar em acordos de livre comércio porque na América do Sul a Argentina é o único país que possui indústria automotiva consolidada, além do Uruguai, enquanto que os demais se veem apenas como adquirentes, que pedem contrapartidas em outros setores que o Brasil tem tido dificuldade em conceder”.
Lima Leite também ressaltou a necessidade do trabalho diplomático de comunicação, a fim de esclarecer dúvidas e contribuir para que o Brasil conquiste licitações, uma vez que a indústria local tem qualidade para exportar, embora esbarre na competitividade.
“Temos um risco que já começou a ser percebido: ao vender a esses países serão comercializados produtos brasileiros ou dos países de origem? Porque o que valerá, no fim das contas, será o padrão de competitividade. A montadora poderá vender desde o Brasil ou do México, da Índia, da China. Por isto não adianta só ter foco na exportação, mas ter uma base de custo para alcançar estes mercados. Se não fecharemos vendas que serão abastecidas por operações da mesma marca baseadas em outros países, combatendo de frente o custo Brasil.”
Vendas externas são solução para ociosidade que supera os 40%
O presidente do Sindipeças Sahad concordou com Lima Leite: o Brasil possui produto de qualidade para exportar, que não requer nenhum tipo de incremento tecnológico. E lembrou que a ociosidade do setor supera os 40%: “Para preenchê-la sabemos que o mercado interno não é suficiente, então precisamos expandir as exportações. E equilibrar a balança comercial que está ficando historicamente deficitária devido ao aumento desenfreado das importações”.
Sahad afirmou que fomentar o crescimento da indústria, e não somente da automotiva, é sinônimo de estimular a expansão do PIB, pois o setor produtivo possui cadeias longas. Citou que a cada real que a indústria produz o reflexo é de quase R$ 3 na economia, ao passo que no ramo de serviços ou o agronegócio, com cadeias que são curtas, o impacto chega a R$ 1,50: “A exportação é uma das formas mais rápidas de se fomentar esse crescimento”.
O Sindipeças vê, hoje, o setor com olhos parecidos aos da Anfavea: “Somos uma coisa só. Nunca estivemos tão próximos nem tão ligados. Finalmente enxergamos o nosso setor como cadeia única. Se faltar um parafuso o veículo não sai. E se se perde a produção de um veículo isto prejudica as autopeças. Precisamos usufruir disto e virar a chave de vez”.