Para quem concorda que o preço médio de venda de um carro zero-quilômetro na casa dos R$ 150 mil é uma cifra muito elevada para os padrões de renda no Brasil, tem tudo para ficar mais espantado em 2025, quando o avanço da legislação de emissões para veículos leves deverá puxar ainda mais para o alto os valores das tabelas dos fabricantes, especialmente com o lançamento dos híbridos leves, de benefício questionável.
A partir de janeiro entra em vigor o primeiro ciclo do Proconve L8, etapa da legislação brasileira que traz limites mais restritivos de emissões de poluentes, o que obriga os fabricantes a aposentar motores e modelos mais antigos e adotar novas tecnologias para ficar dentro de normas mais rígidas, que ainda vão passar por mais dois apertos já programados para 2027 e 2029.
Para se ter ideia do quanto essa evolução representa, levando-se em conta somente as emissões combinadas dos gases poluentes NOx e NMOG, respectivamente óxidos de nitrogênio e gases orgânicos não-metano, em janeiro o limite máximo de emissão cai das 80 mg/km estabelecidas na fase L7 para 50 mg/km no primeiro ciclo da L8, descendo para 40 mg/km em 2027 e 30 mg/km em 2029 nos demais dois ciclos.
Além da grande redução nos limites de poluentes a grande diferença da fase L7 para a L8 é que as emissões não serão medidas mais individualmente por modelo, mas pela média de todos os carros vendidos por cada fabricante – o que permite a produção e venda de veículos acima do limite que serão compensados por outros que emitem menos.
É por este motivo, menos vistoso do que qualquer boa intenção de gestão socioambiental, que os fabricantes estão correndo para lançar carros eletrificados no País, especialmente os híbridos com níveis variados de eletrificação. Sem eles, dizem os especialistas, será impossível cumprir com os limites corporativos do L8.
Eletrificação baixa e preço alto
Até aí tudo certo, o problema é o quanto isto custa e qual o benefício real de cada tecnologia híbrida.
Já dá para ter uma ideia do aumento de custo mínimo possível: com o recente lançamento dos primeiros Fiat que adotam o nível mais baixo de eletrificação possível da arquitetura Bio-Hybrid da Stellantis, a fabricante informa que aumentou “em apenas R$ 2 mil” os preços das versões Audace e Impetus dos SUVs Pulse e Fastback T200 Hybrid, para cobrir o custo extra de uma bateria de lítio de 12V e um gerador/alternador que ajuda o motor a combustão a gastar menos com potência adicional de 3 kW, sem tração elétrica direta nas rodas.
Podem parecer pequenas as majorações de 1,25% a 1,61% nos preços de carros que, segundo promete a Stellantis, garantem economia de 10% no consumo. Mas não dá para considerar baixos valores que partem de R$ 126 mil, caso do Pulse Audace T200 Hybrid, e chegam a R$ 162 mil no Fastback Impetus.
Nada, portanto, que seja próximo da também prometida “democratização” da eletrificação dos veículos no Brasil.
São preços parecidos ou até mais altos do que carros 100% elétricos já disponíveis no Brasil, caso do BYD Dolphin que sai por R$ 160 mil, ou mesmo do híbrido leve de 48V Caoa Chery Tiggo 5x Hybrid Max Drive, vendido a R$ 156 mil e R$ 15 mil mais caro do que a versão equivalente só com motor a combustão.
Segundo o fabricante Pulse e Fastback híbridos leves atendem aos limites deste primeiro ciclo do Proconve L8, justamente por isto substituirão as versões equipadas somente com o motor 1.0 turboflex de 130 cv. Também por isto a Stellantis aplicará a mesma tecnologia a versões modelos Citroën e Peugeot. Portanto o encarecimento será geral e para várias marcas do grupo.
Híbrido ultraleve
Enquadrados na categoria de eletrificação MHEV, mild hybrid electric vehicles – em tradução livre veículos meio-híbridos –, aqui estes veículos estão sendo chamados de híbridos leves ou micro-híbridos, ou nem isto, posto que os dois Fiat ostentam na propaganda e na carroceria apenas que são híbridos, sem revelar o grau desta eletrificação.
Como estão no nível mais baixo e barato possível da eletrificação, talvez seja mais apropriado chamá-los de híbridos ultraleves, para que não sejam confundidos com os MHEV com circuito de 48V, também previsto em uma das quatro possibilidades da arquitetura Bio-Hybrid, com potência elétrica maior para sustentar a partida e impulso inercial sem auxílio do motor a combustão.
Segundo estudo encomendado pela Anfavea à consultoria BCG esta é a escolha preferencial para eletrificação dos veículos no Brasil e, a partir de 2025 e nos anos seguintes, muitos novos modelos MHEV serão lançados.
Com dados da S&P Global a consultoria aponta que, no cenário mais atrasado de conversão os MHEVs representarão 4% das vendas de automóveis no Brasil em 2025 e 14% em 2030, porcentuais que sobem para 5% e 17%, respectivamente, caso o País adote passo mais acelerado de eletrificação. Em ambos os casos o volume de híbridos leves, ou ultraleves, será maior do que o de híbridos fechados, plug-ins e elétricos puros, segundo o BCG.
Encarecimento desnecessário?
O principal questionamento sobre o sistema híbrido ultraleve com circuito de 12V é se ele é realmente necessário e eficiente ou uma elevação desnecessária de custos, somente mais um argumento de marketing para cobrar mais caro.
No caso dos Pulse e Fastback T200 Hybrid já foram feitas comparações que colocam ambos atrás de modelos disponíveis no mercado brasileiro com consumo muito parecido ou até melhor e preços mais baixos, como é o caso do Renault Kardian que parte de R$ 118 mil – para comparar com concorrente direto do Pulse que também utiliza motor 1.0 turboflex – ou do recém-lançado Citroën Basalt com o econômico motor 1.0 aspirado da Stellantis que sai por R$ 90 mil, ou R$ 97 mil na versão turboflex mais barata.
Ao que se apresenta até o momento o sistema híbrido ultraleve acrescenta muito custo para pouco benefício. Para efeito de redução de emissões e descarbonização faz mais sentido um motor 100% a etanol mais eficiente – algo que também já está pronto na prateleira da Stellantis – mas o charme de marketing é bem menor.
Quem vai decidir se aceita pagar o custo extra da baixa eletrificação será o consumidor, mas vale discutir se este tipo de tecnologia, em comparação com outras mais eficientes, merece receber os mesmos benefícios, como é o caso dos incentivos tributários direcionado a pesquisa e desenvolvimento desses sistemas e do IPI Verde, ambos criados pelo Mover, Programa Mobilidade Verde e Inovação.
Também é necessário discutir se vale a pena aumentar preços com tecnologias de baixo benefício e, com isto, fatalmente reduzir vendas e tornar o mercado de carros zero-quilômetro cada vez mais elitista, destinado aos poucos que podem e querem pagar mais por tão pouco.