São Paulo – Francisco Tripodi Neto, especialista em benefícios fiscais e financiamento à inovação da consultoria Pieracciani, coleciona várias iniciativas que foram tornadas viáveis pelos mecanismos de estímulo à pesquisa e à engenharia incluídos na primeira fase do Rota 2030, programa de desenvolvimento à indústria automotiva no País que vigorou de 2018 a 2022 – e que deve seguir em mais dois ciclos de cinco anos cada até 2032 com novo nome, Mobilidade Verde e Inovação, e mais recursos para P&D, conforme decreto esperado para ser publicado até o próximo 6 de outubro.
Para exemplificar como o Rota 2030, até aqui, criou pequenas mas eficientes pontes ligando os institutos de pesquisa à cadeia produtiva da indústria automotiva nacional, em alguns casos salvando o pouco que restava de pesquisa e desenvolvimento do setor no País, Tripodi Neto lembrou de um caso, em outubro de 2021, quando recebeu a ligação de um diretor de uma empresa estadunidense de autopeças com subsidiária no Interior paulista:
“Ele me ligou desesperado, pedindo que eu fosse até lá para encontrar alguma fórmula de preservar seu departamento local de engenharia, porque a matriz havia decidido transferir todas as atividades para o México, onde a hora de engenharia custava US$ 27, contra US$ 37 no Brasil”.
A solução, contou o consultor, foi utilizar bolsistas do Programa Inova Talentos do IEL, Instituto Euvaldo Lodi, ligado à CNI, Confederação Nacional da Indústria. Com recursos para pesquisa e desenvolvimento do Rota 2030 e da Lei do Bem, que a empresa já usava, foi possível selecionar cinco engenheiros inicialmente para tocar os projetos locais em andamento. Deu tão certo que hoje já estão trabalhando lá 35 pesquisadores, dezoito foram contratados e os outros dezessete são bolsistas. Com isto o custo da hora de engenharia caiu para US$ 21, mais baixo até do que na filial mexicana.
Ponte construída
Tripodi Neto observou que este tipo de iniciativa ilustra como o financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento criado pelo Rota 2030 ligou institutos acadêmicos com o setor produtivo: “Ainda é uma pequena ponte de madeira onde antes não havia nada. Mas é um bom começo. Nesta primeira fase do programa foi possível reduzir o preconceito que existia da cadeia produtiva industrial com os pesquisadores acadêmicos, para usar com eficiência os recursos que existem para financiar P&D no País. Agora é necessário evoluir, aprimorar as ferramentas”.
O consultor estimou que, em seu primeiro ciclo de cinco anos iniciado em 2018, o Rota 2030 tenha estimulado investimentos da ordem de R$ 4 bilhões em pesquisa, engenharia e desenvolvimento local, executados por 85 fabricantes de veículos e de autopeças que se habilitaram ao programa para usar seus recursos subsidiados.
O programa ofereceu até agora duas fontes de recursos para isto: a primeira é a redução de 10,2% a 12,5% dos valores gastos em P&D sobre o IRPJ, Imposto de Renda Pessoa Jurídica, e a CSLL, Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Baseado nos dispêndios dos dezessete clientes da Pieracciani que se habilitaram ao Rota 2030 Tripodi Neto calculou que as 85 empresas habilitadas apuraram R$ 350 milhões em benefícios e, portanto, investiram cerca de R$ 3,5 bilhões em projetos de pesquisa e engenharia.
O consultor lembrou ainda que as empresas podem casar o benefício de 12,5% do Rota 2030 com os 27,2% da Lei do Bem em descontos na tributação sobre o lucro, IRPJ e CSLL, o que aumenta para 39,7% dos gastos em P&D a dedução potencial sobre estes dois impostos a pagar.
Outra importante fonte de recurso para P&D criada pelo Rota 2030 foi o direcionamento do imposto de importação especial sobre componentes sem produção nacional, o ex-tarifário de 2%, que em vez de ser recolhido ao Fisco passou a ser distribuído pelas empresas a instituições de pesquisa em linhas coordenadas por Embrapii, Finep, Fundep e Senai.
Tripodi Neto estima que já foram captados R$ 535 milhões por estas instituições para financiar diversos projetos de desenvolvimento nas áreas de mobilidade, ferramentaria, biocombustíveis, conectividade, propulsão e segurança veicular. Como muitas dessas linhas têm contrapartida das empresas, em média, de 50% do valor do projeto, o total investido pode ser o dobro do que até agora foi captado.
Atualmente a Fundep, ligada à UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, recebeu o maior volume de recursos para três programas: Ferramentarias Brasileiras Mais Competitivas, com R$ 226 milhões captados, Biocombustíveis, Propulsão e Segurança Veicular, com R$ 266 milhões, e Conectividade Veicular, com R$ 43 milhões.
Segundo Tripodi Neto captou mais quem “entendeu melhor as dores da indústria” e propôs soluções práticas, porque são as empresas que escolhem para onde direcionar o dinheiro do ex-tarifário: “É preciso entender que estes recursos vêm das empresas e precisam voltar para elas na forma de produtos e serviços que serão usados pela sociedade, não se trata só de financiar a pesquisa particular de um bolsista”.
Recursos devem ser aumentados
O especialista da Pieracciani avaliou que o programa foi bom até agora, “mas foi um período de aprendizagem e poderia ter sido bem melhor, pois apenas 85 empresas em um universo de mais de trezentas utilizaram os recursos do Rota 2030 para estimular P&D no País”.
A boa notícia, segundo ele, é que as informações até o momento apontam para aumentar o valor dos recursos disponíveis para financiar P&D na indústria automotiva: “As minutas que vi até agora da próxima fase do programa indicam não só a manutenção dos projetos como a elevação de recursos para eles”.
Para atrair mais participantes Tripodi Neto sugeriu que a nova fase do Mobilidade Verde e Inovação crie algumas ferramentas de saída, porque atualmente quem se habilita ao programa precisa obrigatoriamente levar o projeto até o fim: “Isto gera insegurança e afasta empresas, pois existem alguns projetos que as montadoras encomendam aos fornecedores e depois desistem, aí o fornecedor não tem mais como levar adiante”.
O consultor avalia que foi adequada a mudança de nome do programa de Rota 2030 para Mobilidade Verde e Inovação, proposta pelo MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio pois “assim fica mais abrangente e alinhado com a tendência mundial de descarbonizar a mobilidade.”
Mas seja qual for o nome, ele ponderou, o importante é manter em alta o estímulo e o interesse por P&D no setor. Na Pieracciani, que tem as maiores receitas originadas nos 27 clientes da indústria automotiva – duas montadoras, Caoa e Renault, e 25 grandes fornecedores de componentes como Mahle, Eaton e Denso –, tem sido elevado o apetite por recursos existentes para inovar: “Não falta trabalho”, disse Tripodi Neto.