Apesar de toda a festa em torno de resultados bem melhores do que era esperado no início deste ano, neste fim de 2024 completa-se dez anos que o mercado nacional não ultrapassa a barreira de 3 milhões de veículos emplacados, e também há uma década a indústria automotiva instalada no Brasil não produz este volume, que todos dizem ser o mínimo ideal para o País que tem fábricas com capacidade de produzir mais de 4 milhões/ano.
Nestes dez anos os volumes de vendas domésticas variaram do mínimo de pouco mais de 2 milhões de unidades, em 2016, ao máximo de quase 2,8 milhões, em 2019. O período atravessou uma crise política seguida de recessão econômica, com forte retração do PIB em 2015 e 2016, entremeada por recuperação pífia da economia em governo de exceção até novo e expressivo tombo do PIB causado pela pandemia de covid, em 2020. Logo depois faltaram chips eletrônicos e a produção não conseguiu atender toda a retomada da demanda.
Um novo caminho de crescimento mais sustentado só começou a ser traçado a partir do ano passado, mas em velocidade ainda insuficiente para o País voltar a ter mercado acima de 3 milhões de veículos por ano.
BC rebaixa expectativas
Segundo a Anfavea, que representa os fabricantes instalados no País, a barreira psicológica dos 3 milhões tinha tudo para ser atingida em 2025, dois a três anos antes do que previam os analistas. E isto aconteceria, na visão da entidade, se o juro básico da economia, a taxa Selic, fosse de 9,25% ao ano, como estava previsto no início de 2024 por economistas que respondem toda semana ao Boletim Focus, do Banco Central.
Mas no dia anterior à divulgação das projeções da Anfavea o BC deu mais um cavalo-de-pau na economia, com um chute para o alto de 1 ponto na Selic, aumentando a taxa anual a 12,25%, prometendo novas elevações para o próximo trimestre, podendo chegar a 14,25% já em março, e assim jogou água na fervura do mercado.
Com isto a entidade baixou sua expectativa para 2,8 milhões de veículos vendidos em 2025, um bom número dadas as condições, diga-se, mas uma alta porcentual modesta de 5,6% sobre o fechamento projetado de 2024 – que terminou surpreendendo com crescimento de 15%, índice maior que o dobro do esperado no início do ano pela Anfavea, só acertado pela Fenabrave, que representa os concessionários.
E poderia ser ainda mais do que isto se os consumidores fossem adequadamente irrigados com crédito mais farto e mais barato. As vendas financiadas representaram só 45% dos negócios, ainda muito abaixo do índice normal de 70% verificado até 2019 – e que a Anfavea esperava que voltasse a acontecer a partir de 2025.
Sabotagem
Enquanto o mercado financeiro seguir sabotando o desenvolvimento do País, vendendo crise para colher lucros com juros pagos pelo governo, com a ajuda fundamental do BC nesta tarefa, fica difícil sustentar qualquer crescimento econômico por muito mais tempo.
O Brasil é um país de muitas demandas reprimidas, faltam recursos para mais da metade da população para comprar muitas coisas. Por isto quando o dinheiro começa a fluir na economia, na forma de pleno emprego e aumento de renda – dois fatores que o BC parece execrar em suas explicações sobre necessidade de aumentos da Selic – é normal uma corrida às compras que fomentam picos inflacionários, que deveriam ser melhor digeridos com metas mais realistas para evitar juros estratosféricos que condenam o País ao desaquecimento econômico, ao desemprego e ao empobrecimento da população.
O BC deve explicações plausíveis aos viventes nacionais sobre o porquê precisa combater inflação na casa dos 5% com a maior taxa de juros do mundo. E o mercado financeiro deveria também explicar porque continua encarteirando títulos do Tesouro, que pagam os melhores rendimentos do mundo, se existe tanta desconfiança e risco sobre a capacidade de o Estado honrar sua dívida pública – algo que jamais aconteceu neste século e ninguém em pleno juízo acredita que acontecerá.
Estariam os agentes financeiros manipuladores do mercado, portanto, exercendo gestão temerária ou arbitrando o quanto querem ganhar ao jogar dúvidas sobre o pagamento da dívida que estão comprando?
Dominância do mercado financeiro
Não à toa as nações mais desenvolvidas do planeta são chamadas de países industrializados porque é a indústria que agrega valor aos bens, o que gera desenvolvimento, empregos melhor remunerados e evolução tecnológica. Quanto mais bens de alto valor agregado a população pode comprar significa que melhor é a distribuição de renda e o desenvolvimento social de um país.
É precisamente por este motivo que países civilizados dão mais importância ao desenvolvimento industrial e social do que à dominância do mercado financeiro.
No Brasil, embora o atual governo federal seja claramente pró-indústria, o mercado financeiro é contrário a esta lógica, quer para si todos os ganhos e consolida desigualdades sociais.
Ainda que seja difícil livrar o País desse círculo vicioso que há mais de três décadas puxa seu desenvolvimento para baixo, após dois anos consecutivos de crescimento que foge às expectativas dos mercadores do mau agouro, resta para 2025 a esperança de que a economia real, aquela que acolhe demandas reprimidas com aumento do emprego e da renda, siga superando a sabotagem do mercado financeiro.
Uma pausa até 2025
Esta é a última coluna Observatório Automotivo de 2024. Este colunista fará uma pausa para recarregar as energias até a segunda semana de janeiro. Agradeço os veículos de comunicação que publicam e a leitura qualificada de todos os leitores, desejando boas festas e um ano novo repleto de realizações. Feliz 2025!