Aviso aos navegantes, sobretudo os recém chegados a Brasília e, em especial, aqueles que estiverem envolvidos com o chamado ajuste fiscal: em toda a economia, nenhum mercado é mais volátil do que automotivo. Mais do que o cambial, o das commoditieis, do petróleo, do ouro ou das ações. Muito mais.
Ao sabor de qualquer leve flutuação nos humores dos consumidores, o mercado automotivo pode subir facilmente dois dígitos ou, na outra ponta, cair praticamente pela metade. E de um dia para o outro, tal como muito bem mostram os desagradáveis resultados negativos de vendas registrados pelo setor no primeiro trimestre que agora se encerra.
Há boas e concretas razões para isto. E todas tem sua origem no fato de que, por seu valor, veículos, sejam automóveis ou caminhões, são comprados a partir de financiamentos com prazo médio que oscila de 24 a 36 meses ou até bem mais – no caso específico dos veículos comerciais.
Pois bem: só entra em uma dívida deste tipo quem tiver razoável convicção de que vai continuar empregado ou, no caso dos caminhões, de que terá carga para ser transportada ao longo de todo o período de duração do financiamento.
Em caso de dúvida – seja em relação à manutenção futura do emprego, seja na capacidade do PIB nacional garantir a geração de cargas a serem transportadas – a compra é adiada.
E, caros navegantes recém-chegados a Brasília, em especial os envolvidos com o ajuste fiscal, é exatamente aí que mora o perigo. Perigo dos bons. Perigo daqueles de fazer naufragar parte significativa da economia industrial do País em função das imensas e longas ramificações de toda a cadeia automotiva.
Acontece que nada é mais fácil para o consumidor, seja de automóvel ou de caminhão, do que adiar a compra de um veículo 0 KM. Pela simples e boa razão de que quem compra um modelo novo sempre chega na concessionária a bordo de um usado a ser oferecido como entrada. E usado relativamente com pouco uso.
Ou seja: a máxima penalidade que recai sobre a cabeça de qualquer consumidor que resolva adiar a compra, à espera de tempos mais promissores ou seguros, é a de ter de rodar mais algum tempo com o seu usado. Talvez até com um barulhinho aqui ou ali. Ou, no caso do caminhão, talvez até com maior consumo de combustível do que se desejaria. Mas o direito de ir e vir, de aceitar carga para transportar, em nada ficará comprometido.
E é exatamente por esta razão que, ao menor sinal de insegurança, o circulo vicioso é posto em movimento: as compras de veículos começam a ser adiadas, as vendas param, a produção é interrompida, férias coletivas são convocadas e as demissões começam – o que, por sua vez, aumenta ainda mais a insegurança, que…
Quem se der ao trabalho de pesquisar a vida deste setor no Brasil nas ultimas décadas vai encontrar vários exemplos destas bruscas subidas e descidas. E há uma, em particular, que merece ser vista com um pouco mais de atenção: no inicio dos anos 80 importante lançamento de uma grande montadora fracassou e isto a levou a realizar uma demissão em massa. Era dezembro. Poucos dias antes do Natal.
Resultado prático: logo no inicio do ano seguinte a insegurança generalizada dos consumidores gerada pela repercussão daquelas demissões derrubou as vendas automotivas como um todo em nada menos que 40%. E foi preciso mais de uma década para que o patamar anterior fosse retomado. Uma década inteira!
A lição que ficou: em se tratando do setor automotivo, tudo é grande. Para o bem e também, infelizmente, para o mal. É, assim, um setor a ser tratado, sempre, com boa dose prudência e caldo de galinha.