Agora é oficial: de acordo com as novas projeções da Anfavea, as vendas de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus vão registrar queda neste ano. Queda considerável. Na casa dos dois dígitos. E a produção vai desabar junto, levando consigo alguns milhares de empregos ao longo de toda a cadeira automotiva.
Com alguma frequência a interpretação que chega de Brasília é a de que o governo não tem mais como arcar com a conta da renúncia fiscal. E que, assim, infelizmente, eventuais incentivos que foram dados no passado – inclusive e talvez até principalmente ao setor automotivo – têm agora de ser eliminados em favor da reorganização macroeconômica do País.
Com relação à necessidade de colocar em ordem o quadro econômico nacional, não resta a menor dúvida. Não há mais como conviver com inflação acima do teto da meta, juros anuais oficiais na casa dos dois dígitos, grande volatilidade cambial e a total imprevisibilidade em relação ao futuro que tudo isto acarreta.
Cabe, aqui, todavia, um novo aviso aos navegantes, sobretudo os que estejam em Brasília e, em especial, aqueles que de alguma forma estejam envolvidos justamente com o ajuste fiscal: em função da elevadíssima carga tributária – de longe a maior do mundo –, quem fica com a maior parte do valor de venda de qualquer veículo é justamente o governo, seja ele federal, estadual ou municipal.
Na prática, assim, é bastante provável que renúncia fiscal, de fato, não tenha sido aquela que o governo fez no passado mas, sim, a que está ocorrendo agora, neste início de ano, em decorrência da pronunciada queda das vendas de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus.
Renúncia fiscal direta pela não arrecadação dos tributos básicos do tipo IPI, ICMS, PIS ou Cofins. E também indireta, em decorrência da queda de arrecadação do INSS e de IRPF gerada pelas milhares de demissões que estão ocorrendo e que, aliás, aumentam sobremaneira o desembolso com o seguro-desemprego.
Na verdade, mais do que veículos, o que o setor automotivo produz e comercializa são maquinas arrecadadoras de tributos. Em larga escala. E por toda a sua vida útil – até quando o automóvel morre sua baixa oficial só é concedida mediante pagamento de uma taxa.
São tributos e mais tributos na hora da produção, outros tantos no momento da comercialização, do financiamento, do seguro, do abastecimento, da manutenção e, depois, anualmente, a bordo do IPVA, pelo simples uso do bem. Ano após ano.
E há boas e concretas razões para que os governos escolham justamente o setor automotivo para abastecer este dourado pote tributário. A principal delas é o número do chassi: como sem esta identificação individual nenhum veículo pode ser licenciado e utilizado, é exatamente este número que torna impossível esconder que um veículo tenha sido produzido e comercializado. É este número, em síntese, que torna impossível a sonegação fiscal tão presente em outros setores nos quais a tributação é feita com base apenas na declaração, por exemplo, de quantas camisas foram fabricadas e vendidas pela empresa. Nos veículos toda tributação é dinheiro certo. Na mão.
A outra boa razão atende pelo nome de contribuinte substitutivo, sistema no qual as montadoras ficam responsáveis pela arrecadação de todos os tributos e por seu devido repasse ao cofres governamentais. Ou seja: em uma cadeia produtiva e de comercialização formada por milhares de empresas, basta acompanhar de perto trinta ou quarenta para que tudo seja mantido dentro do controle. E com tudo calculado pelo preço de tabela, independentemente de eventuais descontos concedidos no momento da venda final.
Com tudo isto, cabe, certamente, no mínimo uma dúvida: no momento em que tanto é necessário encontrar o equilíbrio fiscal, será que o governo pode, de fato, dar-se ao luxo de permitir que as vendas de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus sofram o pronunciado desaquecimento que registraram no primeiro trimestre? Não seria mais prudente ao menos tentar evitar a vigorosa renúncia fiscal que, na prática, esta queda de produção e vendas acarreta?
Pode ser aconselhável pegar uma boa calculadora e refazer, com cuidado, as contas.