Há um ponto que emergiu no Workshop AutoData Tendências Setoriais – Caminhões, realizado na segunda-feira, 27, em São Paulo, que merece exame à parte. Trata-se da constatação de que, quando é demais, até incentivo governamental atrapalha.
Houve relativo consenso de que em parte, boa parte, a atual queda de vendas do setor superou todas as projeções e acabou alcançando proporções catastróficas porque, de tão elevados, os incentivos que existiam até o ano passado geraram fortes distorções no mercado.
E distorções tão pronunciadas que, a rigor, conforme também ficou evidente no evento, ninguém sabe mais dizer hoje, com maior dose de certeza, qual seria, afinal, o real tamanho do mercado doméstico de caminhões.
Ninguém acredita que seja tão grande quanto as 160 mil a 180 mil unidades/ano que chegaram a ser registradas em passado ainda nem tão distantes. Mas todos tem certeza, também, de que o número que agora se projeta para este ano, na casa das 80 mil a 90 mil, também é irreal, baixo demais – até porque todos se declaram convencidos de que o pior já passou e que a média diária de vendas tende a subir a partir de maio.
A verdade, conforme comentou um dos participantes do evento, deve estar em algum ponto que vai de um extremo ao outro. A questão é saber hoje qual seria, afinal, este ponto e, mais que isto, quando poderá ele ser alcançado. Em um ano? Dois?
Explica-se: para contornar a dura queda de vendas de caminhões nos dois primeiros meses do ano passado o governo manteve as linhas oficiais de crédito, em especial as ligadas ao PSI, com taxas de juros negativas e possibilidade de financiamento do valor quase que integral do bem.
Funcionou. O mercado, de fato, melhorou a partir do segundo trimestre. Mas, como agora já se sabe, esta melhora só aconteceu às custas de antecipações de compras por parte de transportadoras interessadas em não perder aquela oportunidade financeira. Neste contexto, um tanto da pronunciada queda de vendas que marca este princípio de 2015 explica-se a partir da constatação de que parte das unidades que deveriam ser vendidas agora já está no pátio das transportadoras desde meados do ano passado. Algumas ainda sem uso.
Outro tanto da queda vem a bordo das empresas transportadoras que, embora até tenham se sentido tentadas, acabaram não aproveitando, em 2014, a oportunidade dos juros negativos que foram abolidos pelo ajuste fiscal.
A questão é que não são poucos os empresários do transporte a apostar que como as vendas de caminhões estão, agora, até mais fracas do que no inicio de 2014, o governo acabará sendo obrigado a voltar às condições do ano passado. E, assim, adiam a compra.
Para colocar um pouco mais de condimento neste prato, vale ressaltar que, devidamente alimentada por tantos incentivos, a idade média das frotas das grandes transportadoras é hoje relativamente baixa, o que aumenta o fôlego para eventual adiamento das compras. No mínimo até que surjam, no horizonte, sinais bem evidentes de que a economia garantirá cargas a serem transportadas.
E há mais um pormenor: como nenhuma outra modalidade de crédito tinha como competir com os juros negativos do PSI as montadoras, seus concessionários e as próprias transportadoras têm de reaprender a trabalhar com CDCs, leasing e até consórcios. Saindo praticamente do zero. E tendo contra si, como termo de comparação, as condições financeiras utilizadas no ano passado.
Vale ressalvar que, com o ajuste fiscal, inflação alta, aumento do desemprego, projeção de PIB negativa e, de quebra, indefinições de toda ordem na área política, a queda nas vendas de caminhões neste inicio de ano seria inevitável.
É bastante provável, todavia, que sem o impacto simultâneo das distorções geradas pelo excesso de incentivos no ano passado, tudo tivesse ficado mais próximo do que estava projetado: queda suportável, na faixa de um dígito porcentual ou, no máximo, de dois dígitos baixos, não muito além dos 10%.
A dificuldade, agora, é trazer o setor de volta à sua realidade. Afinal, tal como comentou outro participante do evento, quando em excesso incentivo é como droga, tipo cocaína: gera dependência.
Pois é. E como os psiquiatras costumam dizer, o problema de se tratar um dependente de droga, seja ela qual for, é que no momento em que está sendo utilizada a vida do usuário fica uma maravilha. O problema, como aprendeu, agora, o setor automotivo, é o depois. É o que vem depois…