Quando, no inicio deste junho, a Anfavea refez para baixo, pela segunda vez no ano, sua projeção de vendas e de produção de veículos para 2015, a entidade, na prática, formalizou algo que até as paredes mais distraídas das salas de trabalho dos executivos deste setor já vinham ouvindo com alguma frequência.
Ou seja: originalmente esperado para o segundo trimestre, o início do processo de retomada das vendas do setor atrasará. Ficará muito provavelmente para o terceiro trimestre. Talvez até para último quarto do ano.
Como intervalo de tempo, a mudança nem chega a ser tão significativa – algo de três a seis meses. Todavia, como a projeção da entidade segue o calendário gregoriano, que termina em dezembro, esta redução no numero de meses ainda disponíveis em 2015 para a recuperação das vendas até agora perdidas potencializou sobremaneira o impacto negativo de maio no resultado final do ano.
Daí, aliás, a provável explicação para o fato da repercussão da nova projeção da Anfavea ter sido bem acima do que seria razoável pela dimensão real do fato. É um cenário que permite, de fato, várias interpretações.
De forma geral, as empresas entraram neste ano projetando vendas fracas no primeiro trimestre em função do esperado ajuste fiscal federal. O início de recuperação se daria a partir do começo do segundo trimestre.
Neste quadro, as vendas no segundo semestre compensariam a queda a ser registrada no primeiro e, na conta final do ano, o resultado seria igual a zero, pouco a mais, pouco a menos. Quando foi ficando evidente que as complicações na esfera política alongariam o prazo do ajuste fiscal, o que adiaria o início do processo de retomada do setor mais para o final do segundo trimestre, a Anfavea refez pela primeira vez sua projeção para este ano. Para menos 10%.
Não sem razão. Afinal, se antes se projetava um trimestre de queda, um de relativo equilíbrio e dois com algum crescimento, o novo cenário passava a indicar até cinco meses de queda, os mesmos três de relativo equilíbrio e apenas quatro com algum crescimento.
Nas contas apresentadas pela Anfavea no início de junho, na prática passa-se a admitir como possível que, neste ano, de seis até nove meses poderão ser de queda em relação ao período anterior. Restariam, então, para compensar a queda, apenas três meses com relativo equilíbrio ou, na melhor das hipóteses, algum crescimento. Muito pouco.
Resultado: nova projeção para 2015, agora com queda de 17,8% na produção e de 20,6% na produção de veículos.
Há, no entanto, pelo menos um ponto que merece análise mais acurada neste cenário: ao contrário do que pode ter sido equivocadamente interpretado pela ampla repercussão da nova mudança nas projeções da Anfavea, não houve, em maio, qualquer degradação mais acentuada dos números em relação ao primeiro quadrimestre do ano.
Tanto em termos produção quanto de vendas, o setor se manteve, no mês, exatamente dentro do mesmo patamar registrado de janeiro a abril, da ordem de 210 mil a 220 mil unidades, conforme mostram os quadros publicados na parte final desta edição, parte integrante de Indicadores.
Ou seja: embora tenha se mantido desconfortável, a situação não piorou em maio. Apenas não melhorou, tal como se esperava, o que é completamente diferente.
O que mudou: ao adiar por mais algum tempo a projeção do inicio da fase de recuperação das vendas, o resultado deste quinto mês acabou tendo reflexos consideráveis na projeção da Anfavea para o ano como um todo. Somou, na prática, os efeitos de um mês a mais de queda ao de um mês a menos de recuperação. Num ciclo gregoriano, de doze meses, isto fez grande diferença.
Há que se atentar, todavia, para o fato de que, embora tenha sido deslocada adiante no tempo, a aposta na retomada das vendas permanece firme no radar. Isto significa que a entidade continua acreditando que o setor automotivo no Brasil não desceu um degrau e nem voltou a se fixar definitivamente no mesmo patamar de há dez anos.
Permanece firme o entendimento de que o movimento agora enfrentando pelo setor não é o da letra “L”, de escada abaixo, em direção a um patamar inferior. Mas, sim, o da letra “V”, aquele no qual uma vez alcançado o fundo do poço, a bola bate e sobe novamente.
Neste contexto, a nova projeção da Anfavea pode e deve ser entendida apenas como um indicativo de que, computados os resultados de maio, o mais provável é que este movimento em “V” pode até ter passado a ter um ângulo de abertura um pouco maior do que o inicialmente projetado. Mas permanece sendo um movimento em “V”, o que faz toda a diferença em relação ao futuro.
Trocando em miúdos: ainda que o início do processo de retomada só aconteça, de fato, em algum momento do último trimestre deste ano, empresa que tiver ano fiscal em abril muito provavelmente já vai apresentar para a matriz números anualizados bem mais confortáveis.