O desempenho do segmento de caminhões é espelho de pouca distorção para determinar a temperatura do ambiente econômico de um país. No Brasil o reflexo é ainda mais nítido dado à sua dependência pelo modal rodoviário em suas relações comerciais. Mais de 60% da carga movimentada por aqui seguem por estradas. Venda de caminhão em baixa quase sempre apresenta sinais de que alguns dos motores da economia estão em marcha lenta.
O fato é revelador na categoria de pesados, classificação que reúne veículos com PBT, Peso Bruto Total, maior ou igual a 15 toneladas, CMT, Capacidade Máxima de Tração, maior de 45 toneladas e cavalos-mecânico com PBTC, Peso Bruto Total Combinado, maior ou igual a 40 toneladas. Em resumo abrange ferramentas associadas às transferências de carga por longas distâncias rodoviárias, no escoamento da produção agrícola nacional e nos canteiros de obras.
É devido às suas múltiplas facetas que o caminhão pesado é ofertado nas mais variadas configurações, dos convencionais cavalos-mecânicos 4×2 aos robustos 10×4 dedicados às mineradoras e às grandes obras. A relevância da categoria transparece no peso que tem na produção de caminhões, tradicionalmente responsável por um terço do total.
O ano passado não foi lá dos melhores para o mercado de veículos de carga. De acordo com a Anfavea, fechou com pouco mais de 137 mil unidades vendidas, 11,3% menos do que um ano antes. Ainda assim, o quinto melhor ano de vendas para os fabricantes de caminhões.
Diferente do que ocorreu em 2013, quando os pesados alavancaram as vendas, desta vez os negócios na categoria também recuaram. Foram 47,4 mil pesados vendidos em 2014 contra 55,8 mil em 2013, queda de 15,1%. “Mesmo com a baixa no mercado o ano passado não foi ruim”, diz Mathias Carlbaum, diretor-geral da Scania. “Poucos são os mercados que absorvem tal volume de caminhões. Na lista dos resultados foi o quarto melhor ano para os pesados.”
ANTECIPAÇÃO – Das tantas razões exaustivamente abordadas que dificultaram o mercado, como a demora na oficialização das regras de financiamento de bens de capital, o carnaval tardio, a Copa do Mundo e as eleições, também há o fato – nada desprezível – das vantagens de compras existentes em 2013.
“Com o PSI oferecendo taxa de 2,5% muita gente comprou, principalmente pesados”, lembra Roberto Leoncini, vice-presidente de vendas, pós-vendas e marketing da Mercedes-Benz do Brasil. “Foi uma oportunidade única. Na prática proporcionou uma renovação de veículos, tirou vendas de 2014 e deve continuar assim em 2015.”
Para Leoncini será muito difícil o segmento de pesados alcançar o mesmo patamar de 2013. Além dos inevitáveis ajustes que começam a ser anunciados para colocar o País novamente na rota do crescimento, novas regras de acesso ao crédito tornaram o custo do financiamento mais caro.
Até o ano passado, por exemplo, o Finame, responsável por mais de 80% das compras de veículos pesados no País, permitia financiar 100% do bem com taxa de 6% ao ano. Agora, para grandes empresas o BNDES só subsidia 50% do valor do caminhão com taxa de 10% e, para as pequenas, 70% a 9,5% ao ano. “Ainda estamos em fase de entendimento da nova realidade. Digamos que o período de bondades acabou”, reconhece Leoncini. “Temos agora um modelo diferente, com taxas fixas e variáveis. Foge do usual e deve exigir algum tempo de adaptação, o que não quer dizer que o transportador deixará de comprar.”
Paulo Goddard, diretor comercial da Iveco, concorda com o colega: “Há certamente uma adequação inicial do setor com as novas medidas. Diferentemente do que ocorreu nos últimos anos, a compra do caminhão pesado estará muito mais ligada à economia de que a uma oportunidade de ocasião. E não dá para o País fugir de suas dificuldades na infraestrutura e de sua vocação agrícola.”
Diante do impasse em relação às novas regras, no entanto, as fabricantes saíram na frente e no fim de janeiro diversas delas anunciaram condições melhores de financiamento àquelas ofertas pelo BNDES por meio de seus bancos.
HORIZONTE – Para os representantes do setor, no entanto, a geração de carga no País continua, mesmo diante de ajustes. Além de uma oferta maior do que a demanda no transporte rodoviário de carga, o que dificulta até mesmo a entrada de outros modais, pois suas ofertas são insuficientes, algumas tendências e indicadores sinalizados do horizonte próximo são encorajadores.
“Para os caminhões pesados 2015 não deverá ser melhor do que 2014. O ambiente macroeconômico impede de pensar diferente”, avalia Carlbum, da Scania. “Mas as safras são cada vez maiores, o consumo de soja aumenta a cada ano e ainda tem muito para fazer em infraestrutura no Brasil.”
As obras e o campo ainda se apresentam como importantes geradores de negócios de caminhões pesados. As primeiras em virtude de sanar deficiências, como lembrou o diretor-geral da Scania e, o segundo, pela produtividade maior a cada ano.
Nas primeiras prévias da safra 2014/2015 realizadas pela Conab, Companhia Nacional de Abastecimento, no início de janeiro, a estimativa é de que a produção de grãos supere 202 milhões de toneladas, crescimento de 5% sobre a safra 2013/2014. Só a soja deve chegar a 96 milhões de toneladas, 11,4% superior. Se confirmado, será um novo recorde.
Notícias recentes vindas de Brasília, DF, também fazem par com as expectativas do campo e, de maneira direta, com o mercado de caminhões pesados. Na segunda semana de janeiro, os recém nomeados ministros dos Transportes, da Agricultura e da Secretária dos Portos anunciaram ações conjuntas para garantir o escoamento da safra. Dentre as diversas medidas para evitar congestionamentos de veículos nos corredores de acesso aos portos, também estão previstas melhorias na infraestrutura.
“Há um movimento mais firme e direcionado à infraestrutura que estimula a venda de pesados”, conta o vice-presidente de vendas da Mercedes-Benz. “Em um primeiro momento deve afetar vendas de usados, afinal, caminhões por boas estradas atrasam compras por novos, mas também há itens que limitam a utilização do veículo, como a Lei do Motorista. Pensando no longo prazo, porém, será melhor. Lá na frente tanto a infraestrutura melhorada quanto as regulações aumentarão oportunidades de negócios e disponibilidade da frota.”