As queixas sobre o nível de negócios no segmento automotivo, montadoras e empresas de autopeças, estiveram presentes em minhas conversas recentes com executivos do setor. Todos, sem exceção, demonstraram grande abatimento e pouca esperança de que o quadro se altere no curto ou mesmo no médio prazo. 2015 está perdido e 2016 é uma incógnita. Eu concordo.
A situação de fato é bem complicada, pois dados da Anfavea revelam queda de produção nesse primeiro semestre de 2015 da ordem de 18,5% relativamente aos primeiros seis meses de 2014, e convém lembrar que o primeiro semestre de 2014 já registrara uma diminuição no volume de veículos produzidos da ordem de 16,8%, comparativamente ao mesmo período de 2013. Ao fim de dois anos as perdas acumuladas de produção somam dramáticos 32,2%, equivalentes a 606 mil unidades em seis meses acumulados, ou algo como 100 mil unidades/mês.
Analisando os números da Anfavea por segmento notamos situação mais complicada em veículos comerciais pesados, caminhões e ônibus, cuja produção no primeiro semestre caiu de 115 mil veículos em 2013 para 95 mil em 2014, queda de 17%, e neste 2015 foram produzidos no primeiro semestre 55,5 mil unidades, diminuição de 41,7%. Estamos falando de uma diminuição de quase 52% no intervalo de dois anos.
Resumindo: a produção acumulada de 1 milhão 277 mil veículos no primeiro semestre só superou a de 2006, o que é muito complicado para as empresas não só do ponto de vista de escala de produção como também pelo fato de que, ao longo dos últimos nove anos, a inflação medida pelo IPCA acumulou 64% e os acordos de reajuste salarial na indústria foram bem generosos.
Outros dados sobre a economia brasileira são reveladores de uma crise econômica não diagnosticada ou não imaginada em toda sua extensão pela maior parte dos cidadãos:
a) o aumento de preços medidos pelo IPCA no acumulado de doze meses alcança quase 9%. Sabemos que há uma correção pontual de preços administrados aqui, mas não se aguarda queda acentuada no índice no curto prazo;
b) o Banco Central, na tentativa de trazer os níveis de preço, no médio prazo, para faixa de 5,5 % a 6,5% ao ano, tem determinado o nível da taxa de juros Selic mais alto. Na verdade os juros reais estão bem acima do razoável;
c) o nível de desemprego, segundo o IBGE, fechou a 6,7% em maio. Esse é um aumento substancial se considerarmos que no mesmo mês do ano passado tivemos 4,9%. A tendência é de aumento no índice, pois boa parte da indústria ainda está cuidadosamente evitando demissões em massa;
d) o risco de inadimplência é maior hoje do que foi no primeiro semestre do ano passado, e os agentes financeiros estão mais comedidos na concessão de empréstimos e financiamentos; e
e) há sem dúvida desconfiança de que o superávit perseguido pelas autoridades do Governo de 1,2% sobre o PIB possa ser alcançado, até porque as receitas, os tributos arrecadados, refletem claramente a queda geral da atividade econômica.
À leitura desse quadro negativo somam-se depoimentos e artigos de economistas de reconhecida capacitação com previsões de que o ajuste da economia brasileira será longo, contaminando também boa parte do ano de 2016. E os agentes econômicos, sobretudo os empresários, estão de fato desanimados. Muito desanimados.
O mar não está para peixe. E daí?
O lado bom da crise é que ela nos tira da zona de conforto, exigindo trabalho redobrado dos gestores para mitigar os impactos negativos de uma demanda mais fraca nos resultados financeiros da empresa. É momento, então, de reavaliarmos o modo como fazemos negócios e de provocarmos transformações duradouras.
Particularmente no setor automotivo acredito que a grande dificuldade reside na adoção de ações de curto prazo que amorteçam a queda acentuada da demanda com aquelas de médio e longo prazo que permitam deixar as empresas preparadas para quando as vendas de veículos novos se recuperarem.
Outra questão é: mas, afinal, qual é o nível de demanda no mercado interno consistente e, sem artificialismos, como diminuição de tributos ou alongamento excessivo de prazos de financiamento para aquisição de veículos? Aqui vão algumas reflexões aos gestores de negócio para sobreviverem nessa travessia de ajustes tão necessários para, mais à frente – a partir de 2017 –, o Brasil apresentar ritmo de crescimento sustentado de 3% ou mesmo 3,5% ao ano:
a) avalie profundamente a condição dos segmentos de mercado que sua empresa serve e tente construir cenários para o médio prazo. Aqui devem ser estudados: 1) a posição do portfólio de produtos da empresa; 2) os passos da concorrência quanto a medidas de reorganização, lançamento ou retirada de produtos no mercado, mudanças de política de comercialização inclusive preços, apetite para investimentos; 3) as ações do governo que podem afetar seu negócio em curto, médio e longo prazo – o recente PPE, Programa de Proteção ao Emprego, anunciado pela Presidência da República é um exemplo; e 4) as alternativas para alavancar negócios fora do país via exportações;
b) estude a estrutura organizacional identificando claramente quais talentos devem ser retidos e nos quais é preciso investir em capacitação;
c) olhe para o chão da fábrica e busque de modo estruturado aplicar medidas para diminuição de desperdício em materiais e do nível inadequado dos estoques;
d) construa planos de contingência robustos envolvendo toda a organização e, mais importante, engajando verdadeiramente as pessoas na execução. E também monitore com rigor o atingimento das metas; e
e) cuide da motivação das pessoas, pois elas também podem estar excessivamente deprimidas ou apreensivas, o que afeta a produtividade e o empenho tão necessários em horas difíceis.
O momento é difícil? Sim. A recuperação natural do ritmo dos negócios vai tomar muito tempo? Sim, possivelmente um ano ou até mais. Mas agora é a hora de deixar as queixas de lado e de procurar saídas para diminuir os danos causados por um pessimismo exagerado e que contamina a todos.
José Rubens Vicari é administrador de empresas pela FGV com pós-graduação em finanças. Atuou por vinte anos como CEO de empresas metalúrgicas no setor de autopeças. Mentor voluntário para empresas startups pela Endeavour. Seu blog é www.senhorgestao.com.br.