O anúncio, na semana passada, de que o governo prepara medidas de incentivo à exportação de veículos e de apoio financeiro aos fabricantes de autopeças é bom indicativo de que pelo menos alguns dos novos ministros da área econômica começam, enfim, a perceber aquilo que os anteriores, os que deixaram os cargos em dezembro, já sabiam muito bem: o setor automotivo precisa – e deve – ser tratado com cuidado.
E isto não tem qualquer ligação com aquilo que alguns definem como o poderoso lobby das multinacionais automotivas – que, aliás, é bem menor e limitado do que muitos imaginam, até pelo amplo leque de interesses divergentes que tornam quase impossível se chegar a qualquer posição consensual.
Trata-se, na verdade, apenas da consequência natural do fato de que, por suas características muito particulares, tudo o que envolve a indústria automobilística ganha imediatamente repercussão nacional. Para o bem e, principalmente, tal como acontece neste ano, para o mal.
Há boas e concretas razões para ser assim. A começar pelo fato de o setor automotivo, tomado como um todo, representar cerca de um quarto do PIB industrial do País. E, sobretudo, por estar organizado na forma de uma complexa cadeia produtiva e de comercialização que se espraia por praticamente todos os setores da economia nacional.
No fundamental, ao contrário da grande maioria dos demais setores, nada do que acontece na indústria automobilística se reflete apenas e tão somente no seu próprio universo. Sempre vai além. Muito além.
Vale ressaltar que as entidades de classe que representam as empresas do setor – Anfavea, Fenabrave, Abeifa, Abraciclo, Anfir e Sindipeças – não precisam mais do que cinco dias úteis para tornar público todos os meses, via imprensa de circulação nacional, tudo o que aconteceu no mês anterior em termos de vendas, produção, exportação, contratações ou demissões de funcionários. Segmento por segmento. Veiculo por veiculo. E, mais uma vez, para o bem e para o mal.
Quando os números apresentados são positivos, bingo! É sinal de que a política econômica adotada está no rumo certo. Está gerando segurança em relação ao futuro para consumidores de automóveis, quase todos da classe média, bem como a certeza, para os empresários do transporte, de que o PIB, certamente positivo, garantirá carga para os caminhões transportarem.
Todavia, quando os resultados apresentados a cada início de mês são negativos, cada vez mais negativos, tal como hoje acontece, o efeito é exatamente o inverso.
Há que se levar em conta, também, que este é um setor cercado por sindicatos de trabalhadores muito bem estruturados. Na prática isto significa que ao menor sinal de férias coletivas, lay-off, PDVs ou demissões, a defesa está pronta.
Em poucos minutos greves paralisarão as linhas de montagem, avenidas e estradas terão o tráfego interrompido, a imprensa será convocada e, pronto, a crise do setor e as demissões dela decorrentes estarão nas primeiras páginas de todos os jornais e nos principais noticiários das rádios e das emissoras de televisão.
Em poucos minutos, em síntese, a qualidade da política econômica adotada pelo País estará sendo posta pública e nacionalmente em dúvida. E estará em cheque.
Quem acompanha os meandros da economia sabe que, neste início de ano, as demissões em Manaus, AM, onde está a indústria eletroeletrônica, a das TVs e aparelhos de som, foram bem maiores do que no setor automotivo. Mas, quem sabe disso? Quem sabe qual foi, em julho, a produção e a venda de televisores, geladeiras, fogões e similares? Ou de sapatos, camisas, gravatas?
Em contrapartida, todos sabem quantos automóveis, caminhões, ônibus, motos e máquinas agrícolas foram fabricados e vendidos no mês passado e no acumulado do ano. Bem como quantas pessoas estavam empregadas em torno destas operações. Tudo devidamente comparado com o mês e com ano anterior. Os mais fanáticos, se assim o desejarem, podem acompanhar até diariamente estes números.
Na década de 1970, tempos em que a Volkswagen ainda dominava quase 60% do mercado de automóveis no Brasil – é sério, isto já aconteceu –, nenhuma nova medida econômica era adotada em Brasília sem que se perguntasse, antes, para seu então presidente, Wolfgang Sauer, se aquilo de alguma forma prejudicaria a vida da montadora.
O princípio básico era o de que, por seu porte e peso no PIB industrial, tudo o que afetasse negativamente a VW traria reflexos negativos, também, por decorrência, para o Brasil.
Um pouco de exagero, por certo. Mas não há como negar que, de fato, por seu peso e potencial explosivo, o setor automotivo, no Brasil ou em qualquer outro país, precisa – e deve – ser tratado pelo governo com cuidado e responsabilidade. Muito cuidado.
Bem ao contrário do que aconteceu no primeiro semestre deste ano quando, logo em janeiro, o abrupto corte de uma só vez de um amplo leque de incentivos derrubou, primeiro, as vendas de caminhões, implementos e de máquinas agrícolas e de construção. E na sequência, também a de automóveis.