São raras as ocasiões em que a Ford abre as portas de seu Campo de Provas de Tatuí, distante pouco mais de duzentos quilômetros de sua fábrica de São Bernardo do Campo, em São Paulo. Inaugurado há 37 anos em um terreno de 4,7 milhões de metros quadrados, é o único capaz de realizar testes em carros e caminhões na América do Sul.
Após completar a globalização de todo seu portfólio oferecido no mercado brasileiro com o lançamento da nova geração do Focus, hatch e sedã – chamado de Fastback –, a montadora convidou a Agência AutoData a visitar os laboratórios e rodar em parte dos cinquenta quilômetros de pistas, asfaltadas ou de terra, que compõem o complexo.
Ali tem história: do Corcel II e Belina II, passando pelo primeiro protótipo de carro a álcool da marca, o Del Rey, Escort, Fiesta, a primeira e segunda geração do EcoSport e, mais recente, a nova linha global da marca, diversos modelos cantaram pneus nas pistas de Tatuí. A Ford calcula que mais de 250 milhões de quilômetros foram rodados desde 1978, por modelos da marca e da concorrência.
Edgard Heinrich, ou simplesmente Seu Edgard, é parte importante da história do Campo de Provas. Há 51 anos na Ford, onde desde 1995, após sua aposentadoria, presta serviço de consultoria, foi um os engenheiros incumbidos a procurar o local para instalar o empreendimento. Ao lado de Luc de Ferran sobrevoou diversos terrenos, até encontrar o de Tatuí.
“Foram dezesseis propostas de construção. Fechamos na que originou este complexo, um investimento de US$ 1,6 milhão em 1972. Antes eu conhecia aqui como a palma da minha mão, mas agora cresceu muito. Conheço só um pouco”.
Seu Edgard, engenheiro mecânico, entrou na Ford por meio da Willys, onde começou como estagiário. Após a aquisição foi incorporado à equipe da montadora e passou por diversos cargos, dentre eles o de engenheiro-chefe de testes de veículos. Mora em São Paulo, mas visita o campo de provas de segunda a quinta-feira.
Por lá trabalham mais oitocentas pessoas, dividas em três turnos, dependendo da instalação ou laboratório. As pistas, por exemplo, têm testes 24 horas: quando não é um modelo Ford, há algum da concorrência sendo examinado. Passam pelas instalações também modelos de outros países: a reportagem flagrou um EcoSport com volante do lado direito, provavelmente produzido na Índia, assim como duas unidades do Figo, como o Ka é conhecido no mercado indiano.
“Aqui reproduzimos cidades, estradas, das mais variadas condições”, explica Fábio Lang, gerente do Campo de Provas. “Poderíamos fazer estes testes na estrada? Sim, poderíamos. Mas não teríamos as mesmas condições de repetição que temos aqui. Conseguimos em cinco meses rodar dez anos da vida de um carro”.
O Simulador de Rodagem, um dos mais recentes laboratórios do Campo de Provas, faz parte desse serviço: há arquivos armazenados, com várias pistas de diversas partes do mundo gravadas. Inserido no computador, o arquivo traz a pista para o equipamento, que simula a rodagem no automóvel – que pode executar o percurso mesmo desligado, sem gastar combustível.
Traz como vantagem economias: de combustível e de custos de desenvolvimento, uma vez que protótipos podem ser testados em pistas da China, por exemplo, sem sair das instalações de Tatuí. Sua função, porém, não é fazer testes de desgaste: ele está ali para identificar eventuais problemas do veiculo, como peças que provocam ruídos, suspensões fora do padrão, dentre outras coisas que afetam o conforto do motorista e passageiro. Por isso, não tem meta de testes por ano: seu uso depende da demanda.
Ao contrário do Laboratório de Emissões, que funciona em três turnos de segunda a sexta-feira e eventualmente abre aos sábados. Importante no atual momento da indústria automotiva, em que os motores precisam se adaptar às normas de etiquetagem veicular do Inmetro e do Inovar-Auto, ele faz testes e homologação dos motores Ford.
São dois ciclos de testes: um que simula o uso na cidade, onde são percorridos 17 quilômetros a 50km/h, e um de estada, com 16 quilômetros simulados a 80km/h. A gasolina usada, com 22% de etanol, é comprada da Petrobras pura e misturada lá mesmo. Os testes são feitos também com 100% de etanol e uma mistura de 50%-50%.
“Gastamos cerca de 35 mil litros de combustível por ano. O que sobra nos testes é usado na frota da montadora. Não reaproveitamos combustível no laboratório”.
Pelo Laboratório de Emissões passa também de 0,2% a 0,4% da produção de veículos da Ford brasileira, a fim de testar a qualidade. O Inmetro audita o laboratório anualmente.
Outro moderno laboratório, com equipamentos de última geração, é o de ruídos. Como o próprio nome diz, ele busca garantir a eficiência acústica dos veículos da Ford – e esforços não são economizados. Do ronco do motor ao fechamento da porta, todos os sons são avaliados pelo laboratório que procura alternativas para deixar o ambiente interno do automóvel ao gosto do cliente.
Um dos equipamentos é o Visionics, uma bola com múltiplos microfones e câmeras sensíveis que captam o som em 360 graus. Colocado dentro do veiculo, faz um mapa com cores dos sons gerados e audíveis internamente e serve como guia para identificar sons fora da qualidade.
Fora dos laboratórios os carros são colocados à prova nas pistas. O Campo de Provas de Tatuí tem cinquenta quilômetros de pistas, dos quais quarenta sem pavimento e dez pavimentadas. Só acessadas por pilotos treinados e certificados pela Ford, as pistas trazem tudo o que se encontra no Brasil: pedregulhos, rampas, terra, colinas, labirinto, dentre outras particularidades.
Todo o atual portfolio da Ford brasileira, composto por modelos globais – Ka, Ka +, New Fiesta hatch e sedã, EcoSport, Focus, Focus Fastback, Fusion e Edge, além da Ranger e dos caminhões – foram testados nessas pistas, que recebem também modelos da concorrência, de outras divisões da Ford ao redor do mundo.
Atualmente, já rodam por lá os protótipos dos futuros modelos da marca. Mas esses a reportagem não pôde ver e nem testar.