É mais do que comum, e há décadas, a percepção pelo consumidor que automóveis custam muito caro no Brasil – e não exatamente sem razão. E até pouco tempo o maior argumento utilizado para defender este ponto de vista era a comparação com outros grandes mercados mundiais: tomando-se por base a cotação de moedas como o dólar e o euro dizia-se que um automóvel popular vendido no Brasil custava o mesmo que um esportivo nos Estados Unidos ou um modelo de luxo na Europa. E os cálculos, de fato, revelavam esta disparidade.
Entretanto, com a recente disparada das cotações destas moedas na correlação com o real, esta relação se inverteu completamente. E assim, respeitando o mesmo raciocínio, o carro brasileiro tornou-se um dos mais baratos do mundo.
A Agência AutoData realizou pesquisa na segunda-feira, 5, tomando por base a cotação das moedas e os preços públicos divulgados pelas montadoras em seus diversos sites internacionais, inclusive os brasileiros, na mesma data. E o resultado foi impressionante.
Um Volkswagen Up!, na sua versão de entrada, a Take Up! duas portas, tem valor sugerido no Brasil de R$ 30 mil 990. Tomando-se por base a cotação da moeda europeia do Banco Central do Brasil no fechamento do mercado, de € 4,30 para R$ 1,00, o valor do modelo é equivalente a € 7 mil 206. O que torna o modelo nacional pelo menos € 1,6 mil mais barato do que em outros países: na Alemanha o mesmo modelo, na mesma versão, custa € 9 mil 975. Na França o valor é de € 10 mil 250 e na Itália € 8,9 mil, por exemplo.
Ainda na gama Volkswagen por aqui um Golf Confortline com motor 1,4 litro TSi e câmbio manual custa aqui R$ 75 mil 790, ou € 17 mil 625. Preço do veículo, em configuração idêntica, na Alemanha: € 22 mil 475.
A comparação é menos favorável com os Estados Unidos, mas ainda assim significativa. Um Ford New Fiesta hatch com motor 1,6 litro Sigma custa no Brasil R$ 55 mil 90, ou US$ 14 mil 125. No país de origem da Ford a mesma versão é vendida a US$ 14 mil 390.
Ainda para o New Fiesta o preço brasileiro equivale, em euro, a € 12 mil 811. Na Alemanha este mesmo modelo custa € 13 mil 355.
Os exemplos se repetem: um Chevrolet Cruze Sedan 1.8 manual custa no País hoje o equivalente a US$ 17 mil 946, enquanto seu preço nos Estados Unidos é de US$ 18 mil 570. No mesmo segmento há comparações em que o preço brasileiro ainda é mais caro, mas minimamente: um Honda Civic 1.8 manual aqui custa atualmente US$ 18 mil 717, ou US$ 227 a mais do que no mercado estadunidense. Para um Toyota Corolla a diferença aumenta para meros US$ 600.
Finalmente, para se comprar um Fiat 500 básico na Itália gasta-se € 13,6 mil: no Brasil o preço do modelo equivale a € 13 mil 232. Nos Estados Unidos a versão de entrada do compacto equivalente à brasileira custa US$ 17 mil 825, enquanto que a conversão, tomando-se a tabela nacional, aponta valor bem menor, US$ 14 mil 589.
O presidente da Anfavea, Luiz Moan, tem repetido constantemente que os preços atuais no Brasil, em dólar, são os mesmos daqueles praticados há vinte anos, na época do advento do carro popular – e sem considerar a inflação registrada neste período, de cerca de 350%: “Voltamos ao patamar defendido pelo ex-presidente Itamar Franco, de oferecer carros zero quilômetro por US$ 7 mil”.
De fato o dirigente está muito próximo de ter razão em seus argumentos: este valor equivale atualmente a R$ 27,3 mil e o preço de tabela do carro nacional mais barato, o Palio Fire 1.0 2P 2016, é de R$ 27 mil 990 – lembrando ainda que desde o início do ano passado todos os veículos vendidos no País oferecem air bag duplo e freios ABS como equipamentos de série, uma utopia em 1994.
Estes valores atuais comprovam que a pura e simples conversão de moedas é referência pobre, mesquinha e insuficiente para definição prática que determine uma relação de caro ou barato para os automóveis 0 KM vendidos no Brasil. Deve-se considerar, dentre outros, o poder de compra da população, o valor do salário mínimo, o impacto dos impostos na composição do preço e muitos outros para uma conclusão minimamente satisfatória. Entretanto a relação cambial, quando desfavorável, é largamente utilizada como único argumento para justificar um aparente sobrepreço dos modelos brasileiros – e, assim, indiretamente apontar a indústria como voraz receptora de lucros astronômicos. A mesma referência, entretanto, é completamente esquecida quando se torna favorável, como no momento atual.
Uma pitada de bom-senso nesta discussão vem de Sérgio Habib, presidente do Grupo SHC e da Jac Motors do Brasil. Para determinar a relação do custo do veículo no Brasil ele se apoia em outras variáveis além da comparação de preços aqui e em outros mercados: utiliza também os valores cobrados por outros produtos de consumo, desde roupas a revistas, desde que similares comercializadas tanto aqui quanto no Exterior, além do custo do frete em vários países. Assim cria uma correlação e a partir daí, apenas, procura uma conclusão:
“No País carro não é caro quando comparado ao preço cobrado por outros produtos, como eletroeletrônicos ou de vestuário. Portanto, não é o automóvel no Brasil que custa muito: no Brasil tudo custa muito. A mesma lógica da indústria automotiva aqui funciona para a alimentícia, a têxtil, de eletrônicos, logística. Não é que aqui uma montadora ganhe mais ou menos: é como o Brasil funciona”.