O tema da governança corporativa tem obtido merecido espaço no ambiente do mercado de capitais e fora dele – e não à toa: os últimos quinze anos no mundo empresarial foram marcados por grandes desastres de gestão, causando significativas perdas a pessoas físicas investidoras, fundos de pensão, empregados e governo.
Em grande parte das vezes os fracassos empresariais resultaram de gestões ‘heterodoxas’ ou de maus exemplos de conduta, significando que estes poderiam ter sido evitados caso boas práticas de governança tivessem sido adotadas e, sobretudo, seguidas, independentemente da exigência legal imposta em algumas situações.
Um dos pontos mais agudos na abordagem da governança é o do fiel cumprimento das regras e leis estabelecidas no local ou País em que atua. Em inglês é comumente utilizada a palavra Compliance, que deriva do verbo To Comply, significando cumprir, obedecer, atender ou satisfazer o que foi imposto.
Esse termo tem sido adotado no universo da governança corporativa das empresas indicando o cumprimento das leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, mitigando o risco de elevados custos da não-conformidade, ou seja: infringir ou não atender o disposto como regra dos negócios pode acarretar situações complicadas para a empresa, seus gestores e membros do Conselho de administração.
Os gestores devem então assegurar total aderência à conformidade evitando, dentre outros, transtornos como sanções administrativas e pecuniárias, danos à reputação do empreendimento, perda do valor da marca e custos advindos de advogados e tempo exigido para correção.
A governança corporativa procura então assegurar um ambiente no qual as regras de atuação são seguidas pelas pessoas para assegurar a perpetuidade do empreendimento, atendendo a diversos interesses além dos acionistas ou donos como, por exemplo, empregados, governo, clientes, fornecedores e comunidade.
Os preceitos da boa governança têm grande aplicação nas empresas de capital aberto, as quais são cobradas por transparência e conduta à prova de deslizes na gestão tanto pelos órgãos controladores – no caso brasileiro a CVM e nos Estados Unidos da América a SEC – como investidores. No entanto a utilização de boas práticas pode e deve sem dúvida ser tema importante na agenda das empresas de capital fechado, bem como nas de controle familiar.
No Brasil o número de empresas de capital aberto não chega a quinhentos, incluindo as do setor financeiro. A imensa maioria dos negócios formais em nosso País é realizada por empresas de capital fechado, sendo que essas não são obrigadas a reportar ao mercado o estado dos negócios nem seus planos futuros.
Esse é o cenário que também encontramos no segmento local das empresas de autopeças. Na CVM o número de empresas de capital aberto representantes do setor, e com ações negociadas em Bolsa, não chega a dez. A maioria delas pertence a grandes grupos de capital nacional e que se posicionam como Tier 1 no setor automotivo.
Reside no grupo de empresas de autopeças brasileiras de capital fechado e controle familiar a grande oportunidade para a adoção de boas práticas de governança corporativa, adicionando valor ao negócio e ajudando em sua longevidade.
Empresa familiar é aquela na qual a propriedade e/ou controle do negócio pertence à família e, portanto, o poder é por essa exercido com a intenção de preservá-lo, e cuidando de transferi-lo para as futuras gerações.
A empresa familiar apresenta muitos fatores positivos, tais como agilidade na tomada de decisão, flexibilidade nos processos internos, clima organizacional positivo, atmosfera de paixão pelo negócio e ainda foco e visão de médio e longo prazo.
Por outro lado encontramos também pontos negativos, que podem colocar em risco a perenidade do negócio, como limitação de capital para alavancar o crescimento, ausência de plano de sucessão ou não capacitação suficiente do sucessor familiar, exclusão de oportunidade a talentos na organização por não possuírem vínculo com a família e falta de gestão profissional estratégica que permita à empresa se reinventar a fim de enfrentar as constantes mudanças no ambiente de negócios.
Tudo isso precisa ser observado no seio das empresas brasileiras de autopeças de controle familiar.
O negócio pode ser negativamente afetado ainda devido a diversos conflitos internos em relação aos interesses da família, muitas vezes provocados por dificuldade na separação da propriedade da gestão do negócio.
Em um momento em que se discute a fragilidade da cadeia de fornecedores para as montadoras e também para os Tier 1, não se pode deixar de lado a necessidade de as empresas brasileiras de controle familiar investirem energia adotando boas práticas de governança na busca do fortalecimento do negócio. Recomendo até que os clientes dessas empresas busquem avaliar parcerias comerciais olhando para a qualidade da governança de seus fornecedores.
A adoção de boas práticas de governança é um processo que exige esforço contínuo de aprimoramento. Aqui, uma pequena lista de ideias:
- Formação de um conselho consultivo;
- definição clara de plano de sucessão;
- criação de conselho de família;
- fortalecimento dos mecanismos de controle interno;
- formalização de código de ética e conduta, assegurando aderência ao mesmo; e
- adoção de política formal e clara sobre transações com partes relacionadas e conflito de interesses.
É razoável observar que o seguimento de boas práticas de governança varia de empresa para empresa em seus diversos estágios de desenvolvimento e tamanho além de estrutura organizacional, então o ponto de partida é, no primeiro momento, a realização de um diagnóstico estruturado da situação presente da organização e identificação das lacunas existentes. Na sequência uma análise de custo-benefício deve ser realizada, o que ajuda na definição de prioridades na implantação das iniciativas.
O certo é que vivenciamos nas últimas décadas diversos exemplos de empresas nacionais do setor de autopeças, de controle familiar, simplesmente desaparecerem ou mudarem de mãos devido à falta de capitalização que permitisse maior investimento em tecnologia, por exemplo, ou a más práticas de gestão, ausência de um plano de sucessão estruturado e de conflitos familiares insolúveis.
A governança corporativa, na dose certa, adiciona valor ao negócio.