A maior feira de ônibus do mundo dá mais uma lição – ou, pelo menos, levanta ideias para reflexão, apesar de, no Brasil, a realidade ser completamente diferente: na Europa, para poder competir e sobreviver em mercado extremamente competitivo, exigente, seletivo e com regras bastante rígidas, as encarroçadoras foram obrigadas a se transformar em montadoras de veículos completos.
As principais competidoras, europeias, turcas e chinesas, comercializam os seus veículos completos e cedem garantia, manutenção e pós-vendas com peças de reposição e serviços. De acordo com Gotzon Gomez Sarasola, diretor geral da Irizar no Brasil, essa mudança foi uma decisão estratégica gerada pelo fato de as fabricantes de chassis passarem a fazer ônibus completos e a não mais fornecer chassis, o que restringiu muito o espaço das encarroçadoras e obrigou à transformação.
“Por isto em 2009 decidimos mudar o foco do negócio do grupo e passamos a desenvolver a nossa própria tecnologia em diferentes áreas para podermos produzir, a partir de 2013, o nosso ônibus completo e para garantir que fosse competitivo em qualidade, preço e manutenção.”
O caso da Irizar – palavra que é um substantivo próprio paroxítono – não é diferente das demais ex-encarroçadoras, como as belgas Van Hool e VDL e chinesas e turcas. A companhia, fundada em 1889 em Ormaiztegi, no País Basco, e que sua primeira carroceria em 1920, enfrentou a encrenca com o desenvolvimento de estrutura mais reforçada que dispensa o uso do chassi e acopla os eixos e o powertrain de forma direta. Com isso houve uma redução de peso de cerca de 400 kg e também de custos, pois não há mais a necessidade da compra de chassis.
As vantagens são enormes, pois além da redução de custos e de peso – o que permite ampliar a capacidade de passageiros e de bagagem, e também reduzir o consumo de combustível e as emissões – o veículo ganha em resistência estrutural, o que significa segurança, e espaço interno:
“Ao comercializar o produto completo passamos a concorrer no segmento premium, de preços mais altos e margens maiores. Também podemos negociar melhor com os nossos fornecedores de motor, transmissão e powertrain. Mas para ter sucesso é preciso garantir o pós-venda, a manutenção e a reposição de componentes. Como resultado este ano um terço dos ônibus comercializados são integrais”.
Para este ano o grupo projeta faturamento de € 550 milhões, com crescimento de 5%. Oitenta por cento dessa receita vêm das exportações e de negócios no Exterior. Mantém fábricas, cinco, na Espanha, Brasil, Marrocos e México.
O novo Irizar i8 é um forte exemplo das novas circunstâncias. Lançado no sábado, 17, consumiu investimento de € 20 milhões, metade em desenvolvimento e metade em tecnologias que serão repassadas para as demais linhas. Ele será comercializado em três comprimentos, 13,2 m, 14,07 m e 15 m, e integralmente produzido pela Irizar, com diferentes opções de motores Euro 6 DAF, de 420 cv a 508 cv, e de transmissões, automatizadas e automáticas, fornecidas pela ZF.
O i8 expõe design arrojado mas mantém a identidade da marca. A frente e a traseira mostram estilo em V característico do i6 e do PB, mas a lateral não é reta e tem um vinco acima dos bagageiros. Gomez brinca: “Fazer um ônibus com a lateral totalmente reta qualquer um faz…”.
Além do design e de ser comercializado de maneira integral o i8 esbanja conforto, segurança e sofisticação. Oferece todos os equipamentos eletrônicos de segurança passiva e ativa, como sistemas de freios eletrônicos, estabilidade, controle de direção e sensores que identificam se o motorista está cansado. Para os passageiros poltronas em couro, cinto de segurança de três pontos, muito espaço, controles individuais de ar-condicionado e entretenimento igual ao oferecido em vôos internacionais, com seleção de filmes, notícias, programas, música e jogos.
Também oferece duas portas de acesso, uma na frente e outra no meio ou atrás, e bagageiros com acionamento elétrico, câmaras de ré e na dianteira, que mostra a visão da estrada para os passageiros, sensores dianteiros e traseiros de aproximação, luzes em LED, inclusive nos faróis auxiliares.
Segundo o diretor geral no Brasil a partir do ano que vem a fábrica do México também passará a produzir veículos completos: “Finalizamos os primeiros protótipos em agosto e nosso plano é oferecer ônibus completos em 2016. No Brasil não vejo, no curto prazo, qualquer possibilidade de fabricarmos o ônibus completo pelas características do mercado e pela oferta de chassis. Mas em todos os mercados em que não houver disponibilidade de chassis comercializaremos veículos integrais”.
Novos fortes players – Por que um mercado que compra menos de 30 mil unidades por ano, extremamente competitivo e exigente, desperta o interesse de quase todos os fabricantes mundiais? Não seria mais fácil competir em mercados emergentes, nos quais as exigências por tecnologia são menores e os volumes potencialmente maiores? Para os chineses e turcos não. Disputar e conquistar espaço no mercado europeu é o primeiro passo para depois atuar na África, Ásia, América e Oceania. Em 2015 o mercado europeu cresceu 16,5% de janeiro a setembro…
A evolução apresentada por esses fabricantes é incrível: em qualidade, em preço e também na presença de sua rede. Neste caso vários firmaram parceria com empresas europeias no nível de representação, que se encarregam da venda e garantem o pós-venda, assistência técnica e reposição de peças. A francesa DCG é um exemplo, na qualidade de representante das marcas Temsa, da Turquia, e Yutong, da China.
Como disse o presidente da DCG, de Dietrich Carebus Group, Pierre Reinhard, “temos uma forte presença e atuação em toda a Europa e montamos duas estruturas diferentes e independentes para podermos comercializar produtos das duas marcas. São duzentos funcionários, cinco pontos de atendimento e 23 pessoas só para cuidar de peças de reposição”.
Temsa e Yutong ampliaram suas participações de mercado em 2015 na Europa.
Esses novos fortes players também produzem veículos completos em seus países de origem e exportam para a Europa. A Turquia tem quatro fortes fabricantes além da Temsa, Octokar, Anadolu Isuzu e Karsan. Há menos de dez anos eram pequenos fabricantes com produtos de baixa tecnologia e visual nada bonito. Hoje dois terços da produção da Turquia são exportados, principalmente para a Europa.
Mas… como pode um país de mercado interno de cerca de 15 mil unidades/ano gerar fabricantes fortes, competitivos e focados na exportação, com mais outras 18 mil unidades/ano? A resposta é: condições propícias e custos baixos, com investimentos do governo em mobilidade e também com programas que facilitam a exportação. Nos primeiros nove meses deste ano a produção de ônibus na Turquia cresceu 14%, sendo que o mercado interno subiu 16,2% e as exportações 11,4%.
Mais confortável – O ônibus Citiport, da Isuzu, foi eleito o urbano mais confortável da Europa. O modelo tem 12 m de comprimento, piso baixo, vidros laterais baixos e panorâmicos que ampliam a visibilidade dos passageiros, sistemas de ar-condicionado digital e áudio e saídas USB.
Os chineses dispõem de mercado interno muito grande, o maior do mundo, e a Yutong pretende superar, em 2015, a marca de 75 mil unidades produzidas. A Golden Dragon cresceu 20% e deve alcançar 27 mil unidades. E a BYD, que só produz ônibus 100% elétricos, ultrapassou a marca de 5 mil unidades em todo o mundo. Mesmo assim desenvolvem produtos específicos para o mercado europeu e até planejam abrir fábricas no continente para atender à demanda.
Entre suas novidades apresentadas na Busworld estão o primeiro ônibus double decker urbano totalmente elétrico, produzido pela BYD, que começará a rodar em Londres, Inglaterra. O modelo tem 10,2 m de comprimento, capacidade para 91 passageiros, autonomia de 300 quilômetros e carregamento feito em apenas quatro horas. A BYD apresentou, também, o seu primeiro modelo de 18 m articulado, com a mesma tecnologia de propulsão e capacidade para 150 passageiros.