A indústria automotiva global está no limiar de uma mudança muito radical. A transformação do automóvel em um poderoso computador capaz de se conectar com outros objetos – e não falamos somente do telefone celular – mexerá com todos os alicerces da indústria. Alguns competidores sobreviverão, até mais fortes. Outros fatalmente ficarão pelo caminho. Surgirão, também, novos atores.
A única conclusão concreta de Ricardo Bacellar, diretor da KPMG especializado no setor automotivo, é que as coisas vão mudar. “A indústria automotiva não anda mais sozinha. Ela está abraçada com a de tecnologia e de telecomunicações.”
As alterações se darão em praticamente todos os elos da cadeia: na relação da montadora com consumidores, fornecedores, setor de distribuição e trabalhistas, na velocidade do desenvolvimento de produtos e até mesmo nas legislações.
“Atualmente a relação da montadora com o consumidor está mais focada no momento da compra. Este acaba ficando desassistido após o fechamento do negócio, apesar dos crescentes investimentos em pós-venda. Com o carro conectado a interação será cada vez mais frequente, sem ser presencial.”
O diretor explicou que a quantidade de dados gerados com a conectividade dos carros será imensa, gerando um banco de dados de valor inestimável. Citou como exemplo a possibilidade de uso de publicidade direta com o motorista, uma vez que todos os seus hábitos estarão armazenados no veículo – os lugares que frequenta, a quantidade de vezes que vai a determinado local…
“As montadoras têm que decidir se querem ser apenas uma mera fornecedora de automóveis, deixando o gerenciamento desses dados nas mãos de outras empresas, ou se tomarão posição de liderança nessa revolução.”
Bacellar ressaltou que haverá também mudança na relação com fornecedores, pois as companhias terão que negociar com novas empresas, que, hoje, fazem parte da cadeia de tecnologia. Será um aprendizado de via dupla, pois esses fornecedores atualmente não estão acostumados a tratar com o setor automotivo.
Nas relações com o setor de distribuição poderá haver até mudanças históricas, como na lei Renato Ferrari. Hoje quem vende o carro para o consumidor é a concessionária – e é com ela que estão todos os dados dele. “De um lado a montadora pode requerer este dado. De outro, a concessionária não tem condições financeiras de fazer um grande investimento em big data. Uma hora os dois precisarão sentar para ver como essa relação caminhará.”
Historicamente baseada na engenharia, as montadoras agora precisarão abrir as portas para especialistas da área de tecnologia. Nesse caso, Bacellar prevê um choque de culturas: de um lado, montadoras com sua estrutura engessada, ternos e gravatas e suas paredes cinza. De outro, profissionais de tecnologia, com conceito de trabalho mais flexível, bermudas e camisetas e escritórios mais coloridos.
Outro ponto que as montadoras deverão mexer – e rápido – é a velocidade do desenvolvimento. “Há alguns dias a Tesla atualizou o software de todos os seus veículos. Esse tipo de ação será cada vez mais comum dentro do setor. Os produtos ficarão obsoletos em uma velocidade maior, assim como acontece com os smartphones.”
Leis e segurança – O setor público também terá papel importante nessa revolução do setor automotivo. As legislações que hoje conhecemos, por exemplo, serão forçadas a sofrerem alterações. Bacellar citou como exemplo o Uber, aplicativo de caronas que faz papel semelhante aos táxis. Em todo o mundo a chegada do Uber provocou mudanças nas legislações de grandes cidades. “A tecnologia cria essa demanda”.
Um dos pontos que mais críticas recebe nessa grande mudança na indústria, a segurança, será reforçada com investimentos e proteção. O diretor da KPMG não acredita que seja um entrave para a conectividade dos carros: “Há alguns anos questionávamos se faríamos transações bancárias pela internet. Essa discussão ficou no caminho, assim como a segurança nos automóveis ficará”.
Bacellar coordenará na manhã de quinta-feira, 29, o painel O Fascinante Mundo dos Carros Conectados Revolucionando o Mercado Automotivo na Futurecom, feira voltada aos setores de tecnologia e telecomunicação. Terá a companhia de representantes da Bosch, Delphi, FCA Fiat Chrysler, General Motors, PSA Peugeot Citroën, Qualcomm e Telefônica Vivo. Pela primeira vez os automóveis ganharam um espaço no evento, que ocorre todos os anos em São Paulo.
No painel será apresentado um estudo da KPMG ainda inédito por aqui. Foi mostrado pela primeira vez no Salão de Frankfurt, na Alemanha, e em alemão. O título, provocativo, dá uma pequena ideia do que o futuro reserva ao setor – Operárias ou Donas do Jogo: A Indústria Automotiva está na Encruzilhada de uma Era Altamente Digitalizada.