Há pelo menos um ano o debate nacional gira em torno das questões da falência do Estado e das dificuldades, cada vez maiores, para equalizar receitas e despesas. Embora reconheça que estamos enfrentando grande turbulência e que a questão do desequilíbrio das contas públicas tem efeitos nocivos que inibem o crescimento econômico, ou mesmo provocando recessão, não há como negar que, uma vez mais, deixamos, como nação, de pensar o futuro e estruturar planos consistentes que persigam objetivos maiores estimulando o crescimento de renda e do emprego trazendo, em consequência, mais justiça social.
Tudo se resume a buscarmos saídas para ajustar o déficit do orçamento público consumindo enorme energia de amplos setores da sociedade. A tudo isso se soma a tormenta política desencadeada por Executivo e Legislativo, no âmbito de Brasília.
É preciso pensar e construir o futuro do País e nesse tema se insere, por certo, a indústria brasileira e aí também se encaixa o setor automotivo. A indústria nacional está perdendo consistentemente representatividade na produção nacional, PIB, pois segundo estudos da Fiesp o segmento passou de 27,2% em 1985 para representar 13,3% em 2012. É certo que o crescimento em geral no Brasil tem ficado abaixo das necessidades de um país emergente há décadas, e que também seu próprio estágio de desenvolvimento promove maior presença do setor de serviços, por exemplo, mas o que de fato preocupa é que a indústria brasileira não tem acompanhado o crescimento do consumo.
Os itens importados ocuparam grande espaço em nossa economia. Estudos da CNI, a Confederação Nacional da Indústria, mostram que o coeficiente de penetração dos itens importados passou de 12,5% em 1996 para o recorde de 22,5% no ano passado. Ao atual nível de taxa de câmbio essa relação deve ter se modificado a favor de nossa a indústria manufatureira.
É preciso mobilizar urgentemente setores representativos da indústria para que, juntamente com os governos, se faça o resgate e se construa planos ousados de crescimento visando, inclusive, à conquista de novos mercados fora da América do Sul.
Em abril de 1941 o governo federal, conduzido por Getúlio Vargas, criou a CSN, a Companhia Siderúrgica Nacional, e sua entrada em operação ocorreu cinco anos depois, tornando-se verdadeiro ícone da industrialização nacional. Uma iniciativa de governo, portanto. Quando Juscelino Kubitscheck assumiu a Presidência da República, em 1955, se fez anúncio do Plano de Metas de seu governo, o qual visava a avançar cinquenta anos em cinco. À época o plano constava de trinta objetivos subdivididos em cinco setores: energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação. Outra iniciativa de governo, certo?
Os governos do período da ditadura civil-militar, que perduraram de 1964 a 1985, tiveram como característica a indução da economia por meio de planos relativamente bem estruturados para a promoção do crescimento e da modernidade. Foram três os PND´s, Plano Nacional de Desenvolvimento. Os dois primeiros planos deram prioridade a questões ligadas a transporte, telecomunicações, energia e fomento à indústria de base – mais uma vez o País olha para o futuro, ainda que induzido pelo governo central, e trabalha com objetivos claros de para onde se deseja ir e quando.
Nem tudo deu certo é verdade, mas havia um norte.
Hoje faz falta, muita falta, um norte. Só temos pensado no caixa do governo, ou melhor: dos governos. E a indústria como fica? E o setor automotivo com sua enorme capacidade ociosa?
Com mais de 50% de capacidade instalada não utilizada o setor automotivo tem de dar um jeito nessa situação e aproveitar a oportunidade para desenhar planos, e executá-los, para expandir a produção servindo a outros mercados além do local e da vizinha Argentina. Isso não pode ficar para depois.
Em 2013, conforme dados que obtive, foram produzidos no mundo aproximadamente 85 milhões de veículos. A China, com seu imenso mercado interno, fabricou 22 milhões, 26% do total. Ainda assim a China gerou um saldo excedente de quase 3 milhões de veículos para vender fora de seu mercado.
Você diria: bem… a China tem vantagem competitiva nos diversos fatores de produção como a mão de obra, ainda barata relativamente à brasileira, além de apoio inquestionável do governo e de um sistema tributário, e também financeiro, mais amigável à indústria. Outro fato verdadeiro.
Na verdade outros países têm desempenho ainda melhor do que a China, gerando excedente de produção para exportar. O Japão, por exemplo, em 2013 produziu quase 10 milhões de veículos e seu mercado interno consumiu pouco mais de 5 milhões. Você diria: bem… o Japão conquistou espaço no mercado internacional com produtos de reconhecida qualidade e sua escala de produção ajuda na absorção dos custos e, de sobra, os veículos japoneses têm alta tecnologia quanto a emissões e desempenho. Também é verdade.
A Coréia do Sul, pelas consagradas Hyundai e Kia, produziu em 2013 quase 5 milhões de veículos e no mercado interno foram vendidos cerca de 1,5 milhão, ou seja, o país destinou 67% da produção do ano à exportação – 3 milhões de unidades. Você diria: bem… isso não aconteceu da noite para o dia. Lá na Coréia o pesado investimento em educação formou pessoas capacitadas a um custo ainda relativamente baixo comparativamente a economias desenvolvidas. E os coreanos também aprenderam a fazer bons carros com qualidade e estilo. Verdadeiro.
Outros países estão listados como geradores de excedente de produção de veículos, como o México, cuja diferença da produção para o mercado interno representou saldo de 2 milhões de carros para a exportação. Você diria: bem… o México, devido à proximidade com o mercado estadunidense e a suas vantagens econômicas, como o custo da mão de obra, e o mecanismo de maquiladoras, se colocou como boa alternativa para as grandes montadoras dos Estados Unidos fugirem das dificuldades enfrentadas com os sindicatos trabalhistas locais, mas até a japonesa Nissan tem plantas industriais bem representativas no México servindo como apoio para penetração no mercado estadunidense. Fato.
A Índia, e também a Tailândia, têm aumentado o excedente de produção, versus consumo interno, e se tornaram fonte interessante para países europeus, por exemplo. Nos dois casos uma mistura de mão de obra razoavelmente qualificada e de baixo custo ajudam na competitividade.
Porque não pode o Brasil ter a ambição e o desejo de utilizar a capacidade já instalada, e de quase 60 anos de indústria automotiva, para participar competitivamente no mercado externo? Não tem produto? Os mercados externos não reconhecem a indústria brasileira como referência em qualidade? A carga tributária sacrifica o resultado das empresas? A mão de obra local tem custo mais elevado do que em outras economias emergentes? Não dominamos tecnologia de ponta? A infraestrutura para o tráfego interno e também a de apoio à exportação é deficiente? A cadeia de fornecedores não está habilitada a servir as montadoras instaladas de modo competitivo? O Brasil não está na agenda das grandes montadoras estrangeiras para servir de fonte de suprimento de veículos a outros mercados?
Todas essas questões são relevantes e precisam ser encaminhadas de modo estruturado para servirem de base a um plano de futuro para a indústria. Não é permitido ficarmos só observando as dificuldades do caixa do governo e adaptando as empresas do setor à menor demanda do mercado interno: busquemos, portanto o futuro para o setor automotivo brasileiro, já.
José Rubens Vicari é administrador de empresas pela FGV com pós-graduação em finanças. Atuou por vinte anos como CEO de empresas metalúrgicas no setor de autopeças. Mentor voluntário para empresas startups pela Endeavour. Seu blog é www.senhorgestao.com.br.