A receita para o sucesso nos negócios compreende a construção de um modelo que funcione e também a definição das estratégias que sustentem as ações para que se atinja as metas estabelecidas. No fim do dia as empresas visam a crescer, obter lucros de maneira consistente e a sustentação dos negócios ao longo de décadas. É preciso reconhecer, no entanto, que só o modelo de negócio e ainda as estratégias não garantem o sucesso. A execução das ações e planos de curto e médio prazos tem papel relevante visando à excelência empresarial.
A vida real nos mostra que, embora pareça que tudo vá acontecer como planejado, há muitos casos de fracasso e tropeços na gestão afetando negativamente a saúde das empresas, e algumas até vão à bancarrota.
Muitas das vezes a execução da estratégia falha por pobre gestão dos executivos principais. Em outras a falta de conhecimento, engajamento e preparo dos times responsáveis podem afetar o resultado esperado ou ainda ocorrem interferências externas não previstas nem planejadas pela empresa. Aqui cabe a abordagem da gestão dos riscos.
Na verdade, como fazer negócios implica risco as empresas devem tomar o cuidado de avaliar antes eventuais pedras colocadas no meio do caminho durante a execução das estratégias. E mais: em que grau elas estão dispostas a tomar riscos? É o tal do apetite ao risco.
Os estudiosos de gestão dos riscos sugerem os seguintes passos nessa atividade: a) identificação dos eventos, b) avaliação dos riscos indicando probabilidade de ocorrência e, sempre que possível, o impacto em valores financeiros, c) respostas que deverão ser dadas em caso de o evento acontecer: isso dependerá do nível estabelecido de apetite ao risco, e d) estabelecimento de atividades de controle para assegurar que respostas sejam executadas eficazmente.
Mas afinal de que riscos nós estamos falando? Os especialistas os classificam de três naturezas: estratégicos, operacionais e financeiros.
Estes são alguns exemplos de riscos:
- risco de mudança no ambiente regulatório: mudança de leis e de programas governamentais, mudanças tributárias. Um exemplo claro aqui é a recente modificação do governo no programa FIES, que afeta as empresas enquadradas na indústria de educação;
- risco de mudança no ambiente tecnológico: perda de mercado por falta de inovação tecnológica ou porque a concorrência evoluiu mais rapidamente. A Kodak, por exemplo, que não vislumbrou a explosão das máquinas digitais;
- risco de mudança no ambiente competitivo: novos concorrentes e guerra de preços;
- risco de modificação do hábito dos consumidores: a diminuição da população fumante é um exemplo;
- risco de terceirização e parcerias: a fragilidade financeira de fornecedores, por exemplo, que interrompam o fluxo de fornecimento à fábrica;
- risco de segurança dos sistemas: a ação de hackers no sistema de informações da companhia, por exemplo;
- risco de falta de mão de obra;
- risco ambiental: o grande desastre causado pelo vazamento de óleo na plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum, no golfo do México, é bem emblemático;
- risco de crédito: aumento inesperado de inadimplência de clientes. Vale lembrar, como exemplo, a crise estabelecida nos Estados Unidos, com impacto em todo o mundo, referente às operações de crédito sub prime causando falência do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos, e perdas consideráveis ao Bank of America, Citibank e outros; e
- riscos de mercado: variação do câmbio, aumento das taxas de juros, preço de commodities.
Todos os pontos mencionados para identificação de riscos com certeza estão presentes na cadeia do segmento automotivo. Tanto nas montadoras como nas empresas produtoras de autopeças podemos aplicar esses questionamentos para o mapeamento dos riscos das atividades de negócio, e a partir daí tomar outras ações para protege-lo limitando incidentes de percurso na execução das estratégias.
No setor automobilístico existe outra peculiaridade, muito sensível, e que tem tirado o sono de muitas empresas: o recall. Os consumidores mais exigentes e a preocupação dos governos com as questões do meio ambiente com certeza exigem que questões de segurança, e também aquelas relativas a emissões, façam parte das discussões relativas à gestão dos riscos.
No início dos 2000 a Ford enfrentou grande debate com sua fornecedora Bridgestone Firestone em função das falhas nos pneus originais da plataforma Explorer. O caso ganhou grandes proporções, não só pelas fatalidades registradas como, também, pela intensa disputa na identificação dos porquês dos defeitos e de quem era a culpa. O impacto foi muito negativo para as empresas, tanto financeiramente como do ponto de vista da imagem, e até pela demora no reconhecimento da necessidade do recall.
Em 2009 a Toyota mal celebrava o primeiro lugar no mundo pelo recorde de vendas de veículos quando anunciou recalls para corrigir falhas na aceleração de carros vendidos no mercado estadunidense. Em paralelo às ações de recall a empresa tomou iniciativas para melhorar a resposta às demandas dos consumidores avaliando com mais cuidado e pormenor as questões vindas do campo. O valor das ações da empresa chegou a cair 15%, mas hoje observa-se que a Toyota recuperou a imagem na oferta de produtos de alta qualidade enquanto se esforça para recuperar as vendas e reconquistar a liderança.
No ano passado foi a vez de a General Motors anunciar recalls devido a falhas no sistema de ignição de alguns modelos de veículos. No total quase 30 milhões de veículos foram chamados para correção do defeito.
A questão de atendimento às normas de emissões em território estadunidense e a descoberta, como amplamente divulgado, de que a Volkswagen fez uso de software especificamente instalado para mascarar os resultados na leitura das emissões de seus veículos de motorização diesel teve, e ainda tem, efeito dramático nos corredores da empresa, afeta o valor de suas ações no mercado e deve causar pesado prejuízo.
A questão da Volkswagen está sendo discutida também como um caso de governança corporativa frágil e como desvio de conduta de alguns de seus executivos, porém é possível depreender que o tema não teve relevância, ou foi mal dimensionado, no mapeamento dos riscos dos negócios da empresa.
A Takata, empresa de origem japonesa, também está enfrentando problemas com os sistemas de air bags que fornece a muitos de seus clientes. As primeiras estimativas haviam indicado a necessidade de reparo ou troca de 34 milhões de unidades, mas recentemente o volume foi recalculado para baixo, para cerca de 23 milhões. Embora menor em quantidade o impacto financeiro para a empresa deve ser relevante e ainda castiga sua imagem.
Os fatos citados, envolvendo montadoras e também fabricantes de autopeças, indicam que as organizações precisam melhorar na gestão dos riscos relativos aos projetos de engenharia, por exemplo, definindo padrões mais altos de desempenho, segurança e durabilidade dos veículos Não há duvida, porém, como indicado anteriormente, que existem outros riscos a ser identificados, medidos e de certo modo integrados à estratégia dos negócios para que a excelência empresarial seja realizada.
José Rubens Vicari é administrador de empresas pela FGV com pós-graduação em finanças. Atuou por vinte anos como CEO de empresas metalúrgicas no setor de autopeças. Mentor voluntário para empresas startups pela Endeavour. Seu blog é www.senhorgestao.com.br.