Sabemos, os que viveram com consciência mínima de cidadãos os diversos Brasis dos anos 50 até o da quadra atual, que no âmago de nossas crises mora uma cultura virótica que se auto-reproduz, irremediavelmente transmissível e castrante, que nada tem a ver com os chamados vícios do patrimonialismo herdado dos colonizadores. De fato, este mal, que se radica metásticamente pelos bulbos subterrâneos e por meio dos próprios ramos contaminantes de sua copa, resulta primeiramente da educação de contornos primitivos a que continuamos submetidos
Em seguida, sim, ao comodismo endêmico de que padece a natureza humana, tanto na geografia dos ricos quanto na dos pobres, e cujo rebento mais teratológico foi vergastado pelo nosso poeta de terra mais autêntico mas não menos erudito em simbolismo, Luiz Gonzaga, ao versejar e cantar em sua já esquecida Vozes da Seca: ”Esmola a um homem que é são/ou lhe mata de vergonha/ou vicia o cidadão”.
Estranho paralelismo esse pelo qual se procura, nestas linhas, traçar de nosso comportamento de eterna e letárgica expectativa, latente em nossas repetitivas reações diante de comportamentos gritantemente deletérios aos interesses do País como os que nos estarrecem a todos agora, e – parece absurdo! – com relação àquele que emana das declarações de expatriados executivos automotivos ao apontarem a desorganização governamental como causa maior da acentuada queda de vendas de caminhões, este ano.
Ao se arvorarem como poderosos e inalcançáveis Catões modernos, figuras há que, ao criticarem as autoridades do dia, muito convenientemente deixam de sopesar os adjutórios de todos os tempos que os fizeram construir o inestimável patrimônio gerador de lucro e de certeza para o futuro, lastreados no Tesouro que alimentamos diuturnamente, tanto um como outra de construção e fruição cada vez mais difíceis e contingenciais em suas Roma de origem. Mestres que são na área do direito comparado sabem, esses sábios, que desde quando aqui aportaram na metade do século passado, com tapete de incentivos a lhes proteger os pés, o discurso de proteção de nível de emprego – falácia pura porque a realidade da segunda revolução industrial provou ser inconsistente – de antes, e o atual, de perda de confiança junto aos investidores internacionais, é puro jogo de cena: o Brasil de boas oportunidades, o de agora, está sendo comprado larga e avidamente, como o diz o constante noticiário a respeito.
Um tipo de competição determinada por efetiva concorrência não é exatamente a que se observa pelas bandas tupiniquins, na esfera automotiva. Desde sempre, aliás. A expectativa é a de que o peixe de boa e saudável gordura Omega 3 mais cedo ou mais tarde será distribuído aos carentes de sempre… daí porque se dar ao risco da luta cruenta de conquista de mercado, mediante uso prioritário do arsenal básico em qualquer economia de escala digna do nome.
Ou seja: reduzir custo unitário, qualidade como obrigação e não atributo, e inovar na busca e retenção de mercados que não os meramente gravitacionais, sem promoções estéreis e enganosas, explorando as oportunidades mercadológicas que a tecnologia oferece, esta cada vez mais sob o controle e influência dos gigantes do meio, definitivamente não mais estranhos no ninho, como Apple, Google e quetais.
A Lei de Darwin, desprezando-se qualquer alusão mais imaginosa, ao fim é a que prevalecerá – os melhores e mais adaptáveis é que devem sobreviver, não exatamente os mais afortunados: tanto como foi lá, no rico Norte, também aqui, nos trópicos…
Ao longo do tempo, a esmola a que se referia Gonzaga de tal maneira tornou-se lugar-comum na estratégia de fomento à economia automotiva brasileira que, ao invectivarem o governo, os plenipotenciários representantes das transnacionais que aqui operam preferem nunca se perguntar – e para quê? – sobre o que não fizeram, eles próprios, e que, tanto quanto a desorganização nossa que censuram, é causa das vendas severamente declinantes como as deste ano.
Que aqui seja um teatro de operações militares onde sobrevivam os que, como aliás a história automotiva o demonstra, saibam construir pontes imunes a quaisquer adversidades, casamatas intransponíveis – não as de Omaha, naturalmente – e que renunciem às lagrimas com que se habituaram a encharcar a imprensa.