O ano pode estar começando com o fim de um ciclo de desenvolvimento e início de outro. Trata-se da proposta de substituição dos Brics pelos Ticks como principal mola propulsora do desenvolvimento potencial econômico e social – seria, no fundamental, a substituição da mera disponibilidade divina de commodities e de mercado interno potencial por outra, bem mais ousada e difícil de ser conquistada, calcada em foco, disciplina, determinação e, principalmente, capacitação tecnológica.
Nesta nova fase, sairiam de cena Brasil e Rússia, o B e o r dos Brics, e entrariam no lugar, com especial destaque, Taiwan e Coréia do Sul, o T e o c dos Ticks. No âmbito da nossa indústria automobilística é inversão difícil de ser entendida, quase inacreditável. Mas, ao mesmo tempo, extremamente reveladora.
Afinal, quando o setor automotivo brasileiro começou a tomar forma, no início dos anos 1950, as duas Coreias, a do Sul e a do Norte, ainda estavam envolvidas numa guerra de russos com americanos pelo controle e expansão de suas respectivas fronteiras para além do paralelo 38 – a linha que, ao fim da Segunda Grande Guerra, serviu de base para a divisão ao meio de um país, a Coreia, que, nas quatro décadas anteriores, estivera sob total controle do então recém-derrotado Japão.
Por coincidência, de meados da década de 1960 até os anos 1980, Brasil e Coreia do Sul tiveram de conviver com governos militares ditatoriais, centralizadores, privativos de liberdades individuais e distantes de qualquer forma de democracia. E, nos dois casos, as indústrias automobilísticas locais foram beneficias neste período por fases de forte proteção do Estado com relação à concorrência externa.
No entanto, várias décadas depois, enquanto as montadoras coreanas ocupam, hoje, papel cada vez mais destacado no cenário automotivo global, a indústria automobilística instalada no Brasil ainda tem dificuldade para competir até nos mercados da própria América do Sul. No centro desta tão marcante diferença de resultados está, de certa forma, justamente a razão básica pela qual os governos fecharam temporariamente suas fronteiras em defesa da indústria local. No Brasil, com amplo mercado interno potencial, o objetivo era tornar viável a instalação de uma indústria local, a automotiva inclusive, que pudesse substituir produtos até então importados e cujo consumo crescia a ponto de desequilibrar a balança comercial do País.
Ao mesmo tempo, na Coréia do Sul, com seu mercado interno praticamente destruído por décadas de dominação estrangeira e ainda recém-saído de uma guerra, o projeto era criar as bases para a instalação de uma indústria que tivesse capacidade de exportar para, assim, criar os empregos de qualidade necessários ao efetivo e real desenvolvimento do mercado domestico.
As diferenças, contudo, vão bem além. William Lee, que hoje comanda as operações da coreana Hyundai no Brasil, destaca um ponto que considera fundamental: “Não tínhamos outra alternativa. Tinha que dar certo”.
De fato, sem mercado interno, sem petróleo, sem matérias-primas e com 80% de seu território impróprio para a agricultura, a Coreia do Sul encarava o modelo exportador como uma espécie de tábua de salvação. Neste contexto nada seria mais prioritário para cada um de seus habitantes do que alcançar preço competitivo e qualidade.
Lee recorda que quando ainda era um jovem em início de carreira trabalhava mesmo aos sábados até as 6 da tarde. E nos outros dias da semana o expediente seguia até as 10 da noite. Férias? Nem pensar.
Para ele outro ponto básico foi o fato de todo o processo ter se iniciado com uma profunda reforma na educação. As áreas que passaram a ser consideradas como de excelência obrigatória foram matemática, para desenvolver o raciocínio lógico, e a fluência em dois idiomas, um dos quais necessariamente o inglês, e o próprio coreano, neste caso para recuperar a cultura local, algo diluída após tantos anos de dominação estrangeira.
Resultado pratico: no balanço divulgada no inicio deste mês do Pisa, Programa Internacional de Alunos, que avalia a qualidade do ensino em todo o mundo, a Coreia do Sul aparece em segundo lugar no quesito leitura e em terceiro nos outros dois, matemática e ciências. E o Brasil? Em 59o e em 60o.
Pois bem: passados tantos anos, com uma capacidade de produção bem acima do atual potencial do mercado doméstico, é agora a indústria automobilística instalada no País que não tem outra alternativa: é exportar ou… exportar.
Que tal, então, aproveitar a oportunidade para mudar o foco e, por decorrência, os parâmetros de produtividade e de qualidade a serem alcançados? Do setor automotivo em particular e, é claro, sobretudo do Brasil. De preferência para sempre.