Caso as novas projeções da Anfavea, de nova queda de vendas de veículos este ano, se confirmarem, o que parece cada vez mais provável, cerca de 2,3 milhões de automóveis e comerciais leves serão comercializados em 2016, 35,7% a menos do que os 3,6 milhões registrados em 2012, o pico das vendas no mercado doméstico. Em termos concretos o setor venderá este ano 1,3 milhão de unidades a menos do que conseguia comercializar em doze meses há quatro anos.
Quando se considera que nenhum carro é vendido hoje, no Brasil, por menos de R$ 30 mil isto significa que o faturamento deste ano ficará no mínimo R$ 39 bilhões abaixo do potencial que o mercado já mostrou ter.
E como cerca de 30% do preço de venda de qualquer automóvel refere-se a impostos federais, estaduais ou municipais na prática isto significará R$ 11,7 bilhões a menos nos cofres públicos. Provavelmente mais, bem mais, na medida em que este cálculo foi feito partir do preço mínimo e, não, do valor real médio de venda dos veículos.
Trata-se, sem dúvida, de renúncia fiscal indireta de muito bom tamanho. A titulo de comparação é valor que equivale a quase 40% de tudo o que o governo projeta conseguir de arrecadação adicional caso consiga aprovar a volta da desgastante CPMF.
Este é, na verdade, apenas um dos vários pontos que geralmente são esquecidos por aqueles que se apressam a criticar qualquer iniciativa governamental que objetive aumentar, ou no mínimo preservar, as vendas da indústria automobilística.
Num País como o Brasil, que tem, de longe, a maior carga tributária do mundo sobre a produção e a venda de automóveis e comerciais leves, quem mais perde com qualquer queda na comercialização de veículos é sempre o governo, que fica com a parte do leão deste bolo.
O resultado operacional final de qualquer dos outros elos da cadeia de produção e comercialização de veículos não chega nem perto destes 30%.
E mais: é dinheiro certo, na mão. E de recolhimento centralizado. Afinal, dentro do sistema de contribuinte substituto, as montadoras são responsáveis por reter e repassar ao governo a maior parte dos impostos referentes à produção e à comercialização dos veículos.
Outro importante ponto normalmente esquecido é o de que os automóveis e comerciais leves são, na prática, verdadeiras maquinas geradoras de impostos, cujo recolhimento vai bem além do momento da produção e da venda originaisl.
É o caso, por exemplo, dentre outros tantos, do IOF cobrado no financiamento, do ISS pago pelo despachante, do IPVA e DPVA – que, aliás, têm de ser renovados todo ano. Até quando morre um carro gera tributo: há uma taxa a ser paga ao Detran no momento da baixa.
Há também o fato de que, em razão da forma como o setor automotivo se estrutura, nada que afete as vendas do setor automotivo tem seus reflexos restritos ao mundo específico das montadoras. Vai sempre além, muito além. Na área da produção afeta sistemistas, fabricantes de componentes isolados, fundições e estamparias, quase sempre de capital nacional, e produtores de matérias primas. No limite até o dono da barbearia que tinha como cliente aquele metalúrgico que perdeu o emprego acaba sendo chamado a pagar parte desta conta.
Na outra ponta, a da comercialização, os efeitos chegam às financeiras, seguradoras, empresas especializadas na instalação de som automotivo e, no limite, às borracharias e aos postos de combustível e às trocas de óleo expressas.
É mais e mais renúncia fiscal indireta. Neste caso dupla. São milhares e milhares de demitidos que deixam de recolher INSS e, na outra ponta, passam a receber seguro desemprego.
Em síntese é bom jamais deixar de levar em consideração que os reflexos de tudo o que envolve o setor automotivo é sempre grande e tem muita repercussão.
Quando as vendas vão bem cada nova fabrica inaugurada tem o poder de mudar completamente a vida e o futuro da população de uma cidade inteira, como aconteceu, por exemplo, no ano passado, pelas mãos da FCA, em Goiana, PE. Em compensação, quando as vendas vão mal, ao menor sinal de simples férias coletivas sempre haverá um muito bem organizado sindicato pronto para cerrar fileiras na porta da fábrica e, assim, colocar o tema nos noticiários noturnos das principais emissoras de televisão.
E para coroar o cenário há, ainda, o fato de as entidades representativas do setor automotivo serem, todas, muito bem estruturadas. No primeiro dia útil de cada mês já é possível saber, em todos os seus pormenores, como foram as vendas de todos os tipos de veículos no mês anterior. É a garantia de que, para o bem ou para o mal, os reflexos de qualquer coisa que venha a afetar a vida do mundo automotivo são e serão sempre imediatos.
Que tal, então, começar a pensar em preservar a clientela da barbearia?