O semestre começa com movimento de flutuação cambial. A relação com o dólar que parecia tender a se consolidar acima de R$ 3,50, talvez até razoavelmente acima, abriu a primeira semana de julho girando abaixo de R$ 3,30, mesmo depois da intervenção do Banco Central.
Bom para os sistemistas e mesmo para algumas montadoras que ainda tem de importar parte ponderável dos componentes que utilizam. Mas ruim, muito ruim, para as empresa que começavam a buscar na exportação alguma compensação para o verdadeiro drama vivido no mercado doméstico que, pelo segundo ano consecutivo, registra queda acima de 20% em relação ao período anterior.
Mais uma vez, a real capacidade de competição da indústria instalada no Brasil é posta em cheque. Bastou leve flutuação cambial para ameaçar a viabilidade de projetos inteiros de exportação de veículos, seus componentes e demais implementos.
Quem não consegue ser competitivo na exportação, vale lembrar, também não tem como se defender da importação sem ajuda de barreiras protecionistas que compensem toda a incompetência interna.
Voltamos, em síntese, a última década do século passado quanto um presidente, Fernando Collor de Melo, chamou de carroças os automóveis fabricados no Brasil e abriu repentinamente as fronteiras nacionais para os veículos fabricados no exterior. Foi um desastre.
Ainda que seja difícil e dolorido de admitir, Collor não deixava de ter alguma dose de razão: depois de décadas e décadas de proteção integral, os carros fabricados no Brasil eram, de fato, algo bem próximos de carroças quando comparados aos que circulavam nos países desenvolvidos.
E as fábricas brasileiras não eram exatamente o que se poderia de se chamar de um primor de modernidade. Até porque outra proteção integral, a da informática, tinha obrigado presidentes de montadoras a trazer nas malas, às escondidas, qualquer coisa que portasse um mero chip.
Há quem diga que, naquela época, o objetivo central era criar dificuldades para que, na sequência, se fizesse a venda de facilidades. Reais motivações à parte, o certo é que as fábricas e os veículos estavam, de fato, tecnologicamente ultrapassados.
Hoje o quadro é bem diferente: as fábricas, muitas recém- inauguradas, estão entre as mais novas e modernas do mundo. E nesta época em que a internet reduz as distâncias do mundo a centímetros, automóveis, caminhões e ônibus lançados são no mínimo da mesma geração dos comercializados na Europa, Ásia ou América do Norte.
Como explicar, então, a manutenção de tanta e tão frágil dependência de uma simples e mera variação cambial, seja para cima, seja para baixo? Como explicar que a necessidade de proteção continue praticamente a mesma?
Vale retornar a ultima década do século passado. Naquela época, posto diante da dificuldade que a indústria automobilística encontrava para competir com os veículos importados, Silvano Valentino, que presidiu a Anfavea entre 1995 e 1998 foi incisivo e profético. Vale, inclusive, a reprodução de parte da entrevista que concedeu à AutoData no dia em que estava encerrando seu mandato na entidade
AutoData – O que vem pela frente?
Valentino – Mesmo depois das trocas dos sistemas de produção e dos produtos, as montadoras vão constatar que ainda não serão competitivas. Vão então forçar seus fornecedores e seus concessionários a também investir na modernização. E ainda assim permanecerão sem poder de competição
AD – E então?
Valentino – Então vão constatar que o problema central está, de fato, no tamanho e na ineficiência do Estado. Vão constatar que se este ponto não for corrigido, não há como ser realmente competitivo.
Naquela entrevista Valentino estimou que em dez a quinze anos todo este ciclo estaria percorrido. E previu que, ao fim dele, não exatamente a indústria automobilística, mas sim a sociedade como um todo forçaria a mudança. “Em tempo histórico, o que são dez a quinze anos? Muito pouco”, acrescentou.
É exatamente o ponto no qual parecemos estar: montadoras, sistemistas e concessionários cuidaram de tornar eficientes seus produtos e sistemas de produção ou de comercialização. Falta, porém, que o último elo, o Estado, faça a sua parte.
Tal como previu Valentino, já há dois anos a sociedade vem saindo às ruas em todo Pais para exigir que o Estado também aumente a sua eficiência.
Até isto acontecer, todavia, a desconfortável dependência do câmbio estará mantida. Resta torcer, então, para que o dólar se mantenha num patamar capaz de compensar toda a ineficiência que ainda insiste em se manter na área fiscal, trabalhista, educacional, infraestrutura…
Haja proteção!