A atual crise da indústria automobilística – de longe, a maior que este setor já enfrentou no País – tem características que a tornam diferente de todas as anteriores. Não só por sua grandeza e profundidade, mas, sobretudo, pela forma e pelo momento em que aconteceu.
Esta é uma crise que colheu o setor de surpresa e, em decorrência, deve mudar o posicionamento e o equilíbrio de forças. Em particular nas áreas de automóveis e comerciais leves.
Quando começou, há cerca de dois anos, não eram poucos os executivos que imaginavam estar diante apenas de um leve ajuste, natural depois de tantos anos de seguido crescimento. O que se tinha pela frente, entendiam, era leve queda de vendas que, no limite, não iria muito além de 5%.
Nada parecido, em síntese, com o que efetivamente aconteceu: dois anos seguidos com queda superior a 20% em relação ao período anterior. Somados e em conjunto, estes dois cortaram o setor praticamente pela metade.
Para apimentar ainda mais o cenário, a crise chegou bem no início de um momento de forte transição: atraídas por anos seguidos de fartura, várias novas montadoras estavam chegando, enquanto outras tantas iniciavam processo de renovação total da oferta. E todas, sem exceção, tratavam de aumentar a capacidade de produção.
Resultado prático: formidável dança das cadeiras. Tanto no ranking das montadoras, quanto no de veículos. Com o agravante de que, nesta versão do jogo, em particular, o desafio era duplo: ao mesmo tempo em que o número de cadeiras diminuía, a quantidade de participantes aumentava.
Logo de início, como a queda nas vendas não se deu de forma linear, esta crise abalou bem mais o segmento de entrada, levando de roldão as duas montadoras – Fiat e Volkswagen – que tinham o forte de sua atuação justamente nesta área.
Em contrapartida, o segmento imediatamente superior, o dos chamados compactos Premium, acabou beneficiado pela queda no poder aquisitivo dos consumidores que antes habitavam os segmentos acima.
Neste universo específico as vendas caíram menos do que a medida setorial, o que levou ao aumento das fatias de duas outras montadoras, a General Motors e a Hyundai, que acabavam de oferecer novidades neste segmento.
É inegável que o fator sorte também ajudou estas duas montadoras. No exato momento em que a crise se iniciava, a americana acabara de investir pesado na renovação de toda a sua linha, enquanto a coreana colocava no mercado um modelo, o HB20, de imediata e grande aceitação.
Sorte das duas, azar, grande azar, das outras duas, a italiana e a alemã, que viviam exatamente o ciclo oposto: o ocaso da vida de uma linha de produtos já há muito no mercado, sem nada de muito novo para manter a fidelidade de seus tradicionais consumidores.
E foi assim que a dança das cadeiras marchou e se acelerou. Antiga terceira colocada, a General Motors, apoiada no sucesso do Onix, o atual líder do mercado, passou VW e Fiat e consolidou-se na liderança do setor. Ao mesmo tempo, o HB20, que chegou a disputar a liderança com o Onix, levou a Hyundai a fincar posição entre as cinco mais bem colocadas no ranking setorial.
Com sua linha também completamente renovada, a tradicional quarta colocada no ranking setorial, a Ford, até que conseguiu se defender razoavelmente bem durante um bom tempo.
No entanto, com a chegada de vários novos concorrentes ao EcoSport, seu antigo best-seller, não teve como evitar o avanço dos coreanos e também da japonesa Toyota que, calcada no sucesso do Corolla e no relançamento da linha Etios, também passou a reivindicar um lugar entre as cinco maiores.
Ao longo deste segundo semestre, o novo ranking deste setor deve trazer a General Motors na liderança e a Fiat em segundo lugar, com as outras quatro – VW, Ford, Hyundai e Toyota, não necessariamente nesta ordem, disputando os outros três lugares do top five.
A luta será acirrada. Até porque com dois novos lançamentos de peso já programados, Renault e Honda também passarão a contar com novas armas – respectivamente o Kwid, previsto para o fim do ano e o novo Civic, apresentado nesta semana – com calibre mais que suficiente para também entrar na briga.
A partir daí, tudo vai depender do novo formato que o mercado deste setor assumirá quando esta crise terminar.
Os primeiros modelos da nova safra da Fiat e da Volkswagen destinam-se justamente a tentar recuperar o peso que ambas já tiveram no segmento de entrada.
Quem garante, porém, que este segmento voltará a ter o porte do passado? Ou será que ao menos parte dos consumidores, que se mudaram desse segmento para o topo do mercado de usados, vai preferir permanecer por lá?
Quem viver, verá. No pódio ou fora dele. Até porque se há um mérito que possa ser atribuído a esta crise, é justamente o de ter acabado com o mercado cativo, com lugar marcado.