Os embates iniciais e, na sequência, os pouco usuais termos dos acordos firmados este mês entre Volkswagen e Mercedes-Benz com seus trabalhadores tornaram exposta a fratura: depois de três anos seguidos de queda e da consequente redução quase que pela metade das vendas de veículos não há mais espaço para continuar adiando o ajuste da estrutura das empresas do setor ao novo e bem menor patamar do mercado.
Nos dois casos os acordos tiveram como ponto de partida a ameaça de milhares de demissões e greves. Na reta final, porém, acabaram carregados de condicionantes e envolveram concessões de peso de ambas as partes.
As montadoras, de seu lado, entre outros pontos, suspenderam as demissões e elevaram a padrões inéditos o valor do incentivo financeiro para quem aderisse ao PDV: vinte salários na Volkswagen e R$ 100 mil fixos na Mercedes-Benz. E os empregados, por sua vez, concordaram em transformar em abono o dissídio do próximo ano, o que numa época de inflação ainda elevada, como a atual, representa razoável redução real e permanente do valor do salário no futuro.
Pode até parecer incoerente que esta nova fase de ajustes aconteça no momento em que os principais executivos do setor começam a identificar sinais de estabilidade e a projetar o início de retomada para o fim deste ano, começo do próximo.
A incoerência é, contudo, apenas aparente. As demissões agora cogitadas por Volkswagen e Mercedes-Benz fazem parte, na verdade, do acerto que era para ter acontecido em meados de 2015 e que só acabou postergado com a ajuda do então recém-aprovado PPE, Programa de Proteção ao Emprego, de férias coletivas, lay-off, PDVs e outras tantas medidas semelhantes.
No começo do segundo semestre do ano passado, vale lembrar, quando empregados e empregadores sentaram-se à mesa de negociação, as duas partes davam como certo que o fundo do poço já havia sido alcançado e que, com a então ainda recente mudança do ministro da Fazenda e da política econômica, o início da retomada das vendas e da produção era questão de pouco tempo.
No entanto, ao contrário do que todos projetavam, 2016 não foi, infelizmente, o ano da retomada. Bem ao contrário: com a indefinição agora transferida para a área política, nova queda de vendas foi registrada. E mais uma vez na faixa de 20% a 25%.
Com isso, o volume comercializado pelo setor acabou cortado praticamente ao meio com relação a 2013, o último ano antes da inversão para baixo da curva de tendência. Com algumas importantes empresas – Volkswagen e Mercedes-Benz entre elas –, registrando quedas ainda maiores neste período. De 60% a 70%.
Os PPEs foram fechados, em sua maioria, no início do segundo semestre do ano passado, com prazo de vigência de seis meses e mais seis meses de estabilidade no emprego. E agora, passados doze meses e ainda sem a projetada retomada, empregados e empregadores tiveram de abrir nova temporada de negociações.
Duas substanciais diferenças, todavia, tornaram as posturas das partes mais duras e qualquer acordo bem mais difícil: a queda acumulada de vendas a ser compensada dobrou em relação ao ano passado e, sobretudo, depois da frustação deste ano, ninguém mais se atreve, agora, a colocar novamente todas as fichas na hipótese de que o pior já passou.
Vale destacar, de qualquer forma, que embora provoquem compreensível repercussão, os casos da Volkswagen e Mercedes-Benz representam apenas pequena gota no substancial ajuste de estrutura que o setor automotivo já fez e continua fazendo, ainda que de forma gradativa e sem muito alarde.
Movimento este, aliás, que tem o duplo objetivo de ajuste do efetivo de pessoal ao novo patamar de vendas e, simultaneamente, sua adequação aos avanços de produtividade decorrentes dos investimentos nos últimos anos na modernização das fábricas, agora bem mais automatizadas.
Montadoras e fabricantes de autopeças empregam, hoje, segundo dados da Anfavea e do Sindipeças, cerca de 283 mil funcionários – 93,6 mil a menos que os 376,9 mil que trabalhavam nas industrias do setor em 2013, o último ano do ciclo de bonança.
Em termos concretos, o efetivo da parte industrial deste setor já foi, assim, reduzido, neste período, em 24,8%. Ou seja: um em cada quatro funcionários já perdeu o emprego nas fábricas de veículos e de máquinas agrícolas ou de seus componentes.
E há, ainda, o elo da comercialização. Neste caso, segundo a Fenabrave, 32 mil funcionários foram demitidos no ano passado e outros 16 mil deverão perder o emprego neste ano. Quase 50 mil desempregados a mais, neste caso com as revendas de máquinas agrícolas e de motocicletas incluídas na conta.
Não é à toa, assim, que, nas últimas semanas ministros que participaram do Congresso da Fenabrave ou visitaram o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC declararam que o governo está preocupado e buscando algum tipo de ajuda para o setor. Seja para tornar o PPE mais atraente para as empresas, seja para ativar a demanda via programa de renovação da frota.
A questão é que, de concreto, há bem pouco, desta vez, o que o governo possa fazer para ativar as vendas do setor no curto prazo. O atual esfriamento dos mercados de automóveis, caminhões e ônibus se deve, no fundamental, à falta de confiança dos consumidores e dos empresários com relação ao futuro. E confiança não se consegue por decreto. Tem de ser conquistada.