Não de hoje especialistas tentam explicar o excepcional desempenho do multicampeão Usain Bolt nas pistas de atletismo. O velocista jamaicano quebrou o recorde mundial nos 100 metros rasos em 2008 e desde então segue como que passeando diante dos demais competidores, como no mês passado, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro.
O mercado brasileiro de veículos, digamos, também tem o seu Bolt. O Corolla passeia há muito tempo diante dos concorrentes do segmento que, a exemplo dos adversários do corredor jamaicano, também têm muitos atributos e qualificações, mas ainda assim raramente colocam em risco a soberania do sedã da Toyota, estabelecida desde que desembarcou nas ruas brasileiras e, especialmente, após o início de sua produção em Indaiatuba, SP, em 1998.
Seu desempenho de mercado impressiona também por não ter, como o jamaicano das pistas – que com 1,95 m está mais para jogador de basquete do que para corredor – , o melhor perfil para chegar a essa longeva hegemonia. Líder entre os sedãs médios em sete dos últimos dez anos, o Corolla não é – e nunca foi – o modelo do segmento com design mais arrojado, o mais barato, mais potente, não dispõe nem mesmo de tecnologias que o diferenciam da maioria dos sedãs médios – vinte modelos, segundo classificação da Fenabrave.
Mais ainda: a montadora também investe, proporcionalmente, muito pouco dinheiro em publicidade e nem mesmo dispõe de grande número de revendedores. Ao contrário, com pouco mais de duas centenas de pontos de venda a rede Toyota é quase três vezes menor do que a da Volkswagen ou da General Motors, apenas para ficar em marcas que dispõem de importantes competidores do Corolla, como Jetta e Cruze.
Então o porquê dessa folgada liderança, com vendas anuais que frequentemente representaram mais de 25% do segmento, algumas vezes superaram 40% e que de janeiro a julho deste ano ficaram em incontestes 46,4%, quatro vezes maiores do que a do segundo colocado? E nesses sete meses, é bom recordar, o mercado de automóveis recuou 24,7%, enquanto as vendas do Corolla chegaram a 37,8 mil licenciamentos, apenas 272 veículos a menos do que em igual período ano passado.
O modelo, que custa acima de R$ 70 mil, foi o sexto automóvel mais vendido de janeiro a julho – o concorrente mais próximo, o Honda Civic, ocupou a 32ª posição –, atrás apenas de Chevrolet Onix, Hyundai HB20, Ford Ka, VW Gol, compactos que têm versões de entrada por menos da metade do preço do Corolla. Ainda assim a diferença para o quinto colocado, o Palio, foi de apenas 172 veículos licenciados.
Os motivos desse desepenho apontados por analistas, e até mesmo por profissionais de marcas concorrentes, são muitos, mas podem ser sintetizadas em eficiente engrenagem que congrega imagem de marca, produção adequada, qualidade de produto e bons serviços de pós-venda.
“O produto entrega o que promete e tem o suporte de uma rede que sabe da importância de bons serviços e que não precisa queimar o modelo com descontos, o que reflete em bom valor de revenda”, reconhece executivo de marketing de montadora que, por razão óbvia, prefere não ser identificado.
André Bittar, gerente de produto da consultoria Jato Dymanics, tem esse mesmo raciocínio. Segundo ele, a Toyota consegue produzir na medida da demanda do mercado e, simultaneamente, incutir sua cultura de qualidade nos revendedores. Essa somatória assegura “um círculo virtuoso!”, diz Bittar, que pondera que um carro com bom valor residual e que tenha liquidez é sempre mais procurado em um momento de incerteza econômica. “E isso também mantém vendas de qualidade em períodos mais difíceis, sem a necessidade de queimar preços.”
Estratégia – Com uma produção bem ajustada a montadora também pode se dar ao luxo de não depender tanto das vendas diretas, normalmente com margens bastante sacrificadas. Levantamento da Jato aponta que não mais do que 21% das vendas da marca – e olha que o Etios para locadoras fez essa média crescer um pouco no último ano – passam por esse mecanismo, enquanto, por exemplo, na Fiat superam 43% ou chegam a quase 48% na Renault. “Os estoques de Corolla na rede são de dez dias em média. A carência para o revendedor pagar o veículo sem juros é praticamente o tempo de transporte da fábrica até ele, enquanto outras montadoras concedem prazos até três vezes maiores.”
A própria gênese da rede ajudaria nesse bom entendimento da cultura da marca por parte dos concessionários, avalia Bittar. Ele lembra que a maioria das revendas surgiu para negociar produtos importados da Toyota com alto valor agregado, como a picape Hilux, o SW4 ou o próprio Corolla, e, assim, está acostumada com o perfil de clientes mais exigentes e com o chamado TSA, o Toyota Sales Way, código estipulado pela fábrica para conduta e qualidade de atendimento nas revendas.
As concessionárias trabalham dentro de padrões rígidos de atendimento. O consultor afirma, por exemplo, que autopeças são como remédios numa farmácia, “não podem ser empurradas para o consumidor”. “O negócio de peças, não é um objetivo, mas decorrência dos serviços prestados.”
Cliente satisfeito tende, na troca de seu veículo, a permanecer na mesma marca ou até com o mesmo produto. É o que acontece com o Corolla, segundo Roger Armellini, gerente geral de produto e marketing da montadora. “É o carro de maior índice de fidelização dentro de seu segmento e um dos maiores do mercado brasileiro, perde apenas para a Hilux”, acrescenta o executivo, citando a pesquisa New Car Byer, estudo compartilhado pelas fabricantes de veículos cujos índices não podem ser divulgados.
Fórmula – O Corolla está em sua décima geração – lançada aqui em 2014 – e, diz Armellini, é produto que resulta de aperfeiçoamentos de décadas. “Creio que a Toyota encontrou o melhor equilíbrio entre preço, conforto, confiabilidade do produto e de todo sistema de vendas e pós-vendas, custo de manutenção e valor de revenda”, interpreta Armellini, que, há apenas dois anos na montadora, não disfarça o entusiasmo com a eficiência de toda essa engrenagem e com o desempenho mercadológico do sedã.
Armellini projeta que o Corolla deve repetir, em 2016, as vendas do ano passado, algo em torno de 67 mil veículos. E, enquanto em modelos da concorrência preponderam as versões de entrada como as mais vendidas, no Corolla a XEI, intermediária, responde 60% e outros 10% ficam por conta da Altis, a topo de gama.
A GLI, de entrada, detém em média não mais do que 30% a 35% dos licenciamentos, com boa parcela negociada com taxistas e pessoas portadoras de deficiências físicas. Para frotista, quase nada. “Vendemos alguma coisa para as locadoras apenas para não perder amizade”, brinca Armellini
Base local
A Toyota segue revitalizando sua fábrica de São Bernardo do Campo, SP. A empresa acaba de inaugurar no complexo seu primeiro centro de pesquisa aplicada no Brasil. O projeto consumiu R$ 46 milhões nessa primeira fase e já conta com cem colaboradores. Uma segunda etapa exigirá outros R$ 19 milhões. É o quarto empreendimento do gênero fora do Japão. Os três primeiros foram instalados nos Estados Unidos, Europa e Tailândia. Nele serão desenvolvidos, inicialmente, produtos e pesquisas para o mercado brasileiro. A cerimônia de inauguração mereceu até mesmo a presença do chairman da Toyota Motor Corporation, Takeshi Uchiyamada.