Consolidada a ideia de que finalmente o setor automotivo chegou de fato ao fundo do poço, duas novas questões começam a merecer o foco principal: afinal, qual é o porte real do mercado brasileiro de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus? E, depois desta atual e profunda fase de queda, quanto tempo será necessário para se chegar até ele?
Como ponto de partida há a certeza de que não se deve tomar como parâmetro o número a ser registrado neste ano, da ordem de 2,1 milhões de unidades na soma dos três segmentos, conforme as projeções da Anfavea e da Fenabrave.
Mas na outra ponta há a convicção de que a verdade não está, também, nas 3,8 milhões de unidades registradas em 2012, o recorde das vendas domésticas de veículos no País.
São dois anos atípicos que, decididamente, não servem como base, tantos foram os fatores anormais que impulsionaram o resultado. Num caso para cima. No outro para baixo.
O raquítico resultado que deve apresentar 2016 está sendo debilitado pela madrasta combinação de crédito difícil e caro com a inflação em alta, PIB em baixa, desajuste fiscal, milhões de demissões e total indefinição na área política.
Tudo desembocando na completa insegurança dos consumidores em relação ao futuro da economia e do emprego, o que costuma ser fatal para um setor, como o automotivo, cujas vendas são movidas a financiamentos de pelo menos 24 meses.
No caso do recorde de 2012, por sua vez, o resultado foi anabolizado pelo uso abusivo de medidas anticíclicas apoiadas em crédito farto e barato, até negativo em alguns casos, pleno emprego, aumento real do poder aquisitivo via reajustes anuais dos salários sempre bem acima da inflação e fartas compras governamentais, sobretudo de caminhões, ônibus e máquinas agrícolas.
Tudo inflado pelo excesso de confiança no futuro gerado por anos seguidos de PIB positivo, sempre com as vendas do setor crescendo bem acima do PIB.
É bem possível, e até provável, que um cenário, o deste ano, nada mais seja do que mera consequência natural do outro, o de 2012. Neste caso, as vendas que não estão sendo feitas neste ano nada mais seriam do que uma espécie de devolução de parte final das compras feitas antecipadamente no ano do recorde.
A nova realidade do mercado automotivo brasileiro deve estar, portanto, em algum ponto entre os dois extremos. Mas em qual exatamente? E, a partir de uma base tão baixa como a que está sendo agora registrada, quantos anos serão necessários para que este ciclo de retomada se complete?
Com a maior parte das montadoras operando, hoje, com excesso de pessoal e cerca de 30% a 40% de capacidade ociosa, estas são duas questões que devem estar atormentando a vida de quem, nesta época, tem a função e o dever de preparar para a matriz um novo budget com números consistentes.
E, desta vez, sem espaço para errar novamente, tal como aconteceu no segundo semestre do ano passado, quando as projeções indicavam, de forma generalizada, relativo equilíbrio neste ano.
Foram, aliás, dois anos seguidos de equívocos. Grandes equívocos. Depois de períodos de elevada volatilidade, mas com quedas relativamente administráveis – de 2,64% e 5,67% em 2013 e 2104, respectivamente -, os budgets, tanto o de 2015 quanto o de 2016, seguiram para as matrizes projetando estabilidade em relação ao ano anterior. Talvez até alguma recuperação, ainda que pequena, do terreno perdido nos períodos anteriores.
O oposto, portanto, da dura realidade que em termos bem concretos anotou queda de 26,07% no ano passado e quase 20% neste ano. Duas quedas consecutivas que, por seu porte avantajado, reduziram as vendas do setor quase que pela metade em relação ao recorde de 2012.
É compreensível, assim, que hoje, quando colocados diante das duas perguntas para as quais agora precisam encontrar respostas, empresários e executivos ligados ao setor tratem de colocar bom número de condicionantes.
É bem verdade que a maior das incertezas, a que envolvia a questão do impeachment e a consequente troca de presidentes, já está definida. Ainda perduram, porém, as incertezas relativas ao porte e ao tempo que será necessário para se fazer os tão propalados e necessários ajustes na área fiscal, tributária, trabalhista e, inclusive, política.
Mesmo assim, com a experiência e a tarimba de quem faz parte de uma família que está no negócio há três gerações, Alarico Assumpção Jr, presidente da Fenabrave, crava aposta em 3 milhões de automóveis e comerciais leves e pelo menos 100 mil caminhões, a serem alcançados entre 2019 e 2020.
Ele vai além e específica que depois de ter chegado neste ano ao fundo do poço, o setor deverá registrar crescimento da ordem de 5% em 2017 e, depois, nos três anos seguintes, sempre resultado positivo na faixa de dois dígitos: de 10% a 15%.
Na área de caminhões, tomada em separado, a projeção indica dois dígitos de crescimento já a partir de 2017. No caso de veículos comerciais, lembra Philipp Schiemer, presidente da Mercedes Benz do Brasil, a queda de vendas nos últimos anos, de quase 70%, foi bem mais acentuada, o que justifica a diferença.
Letícia Costa, da Prada Consultoria, prefere ser mais conservadora. Para ela, 2017 tem boas chances de ser o ano da inflexão, abrindo um novo período de retomada para o setor como um todo que, todavia, permanecerá, mesmo depois de 2018, na esfera de um digito. “Talvez até um dígito alto, quase tocando em 10%, mas sem chegar a dois dígitos”, aposta.
Vale atentar para o fato de que, apesar de todas as condicionantes ainda vigentes, não há quem projete nova queda à frente. Bem ao contrário. Resta, agora, cruzar os dedos para que, desta vez, Brasília não atrapalhe e o Brasil permita que as projeções se confirmem.