Depois de quatro anos consecutivos de queda nas vendas, alguns dos diversos elos que compõem o setor automotivo encontram-se de tal forma fragilizados que poderão dificultar, e muito, qualquer retomada da produção a partir da aparente inflexão do mercado de veículos que vem marcando este segundo semestre.
Ainda que os sistemistas, de forma geral, tenham encontrado no mercado de reposição e nas exportações boas rotas de compensação para a drástica redução das vendas para as montadoras, é justamente neste universo das empresas associadas ao Sindipeças que está, hoje, o maior foco de fragilidade.
Os casos mais agudos envolvem empresas de fundição, estamparias, forjarias e produtores de peças plásticas. São os chamados Tiers 2 e 3, fabricantes de produtos de baixo valor agregado que, na maioria dos casos, fornecem para os sistemistas e praticamente não tem qualquer contato direto com as montadoras.
São, em 95% dos casos, empresas nacionais, pequenas ou médias, quase sempre com dificuldades de competitividade, segundo mostraram os consultores Carlos Alberto Briganti e Ricardo Vieira Santos em artigo publicado na edição 3 098 desta Agência AutoData de Notícias, de 12 de setembro.
É este grupo que reúne a maior parte das 59 empresas filiadas ao Sindipeças que estão em recuperação judicial, trinta das quais a partir do primeiro semestre deste ano.
Como não há como produzir veículos sem os componentes produzidos por estes segmentos, Sindipeças e sistemistas, por vezes até com intervenção das próprias montadoras, tratam de promover ações com o objetivo específico de aumentar a capacidade e a qualidade de gestão dessas empresas, muitas das quais ainda com estrutura familiar de administração.
Bem mais do que da qualidade de gestão, no entanto, num momento de drástica queda de faturamento, como o que ocorreu nos últimos quatro anos, a grande fragilidade destas empresas vem, de fato, é do baixo poder de negociação de preço com seus clientes, da permanente falta de acesso aos créditos dos bancos oficiais, do aumento da seletividade dos bancos privados e das altas das taxas de juros de forma geral.
Com seu capital de giro consumido e comprometido pelo elevado custo da indispensável adequação de seu efetivo de pessoal ao novo tamanho do mercado e da produção, tais empresas perderam quase que completamente qualquer capacidade investimento. Não por não considerarem prioritário. Mas por absoluta falta de recursos.
Em médio prazo, os riscos desta situação são óbvios: não há muito como esperar – e muito menos exigir – qualquer investimento em aumento de capacidade tecnológica ou de produtividade destas empresas.
Mas os riscos maiores estão mesmo é no curto prazo. Para aumentar a produção, afinal, tais empresas precisarão de maior capacidade financeira de giro, o que hoje não tem como conseguir. Nem nos bancos oficiais e muito menos nos privados, já que todos, hoje, vinculam cada operação diante de oferta de garantias reais.
Depois de tão longo período de queda de faturamento, raras são as empresas deste universo que ainda tenham máquinas ou quaisquer outros tipos de bem que já não tenham sido vinculados a operações financeiras anteriores.
E há, ainda, a questão dos custos financeiros que praticamente dobraram neste ano em relação ao ano passado e que alcançam, agora, patamares que dificilmente conseguem ser compensados pelo resultado de qualquer atividade produtiva.
Neste contexto, por maior que seja a boa vontade dos sistemistas e das entidades que hoje se empenham em tentar manter minimamente saudáveis as empresas deste universo, não há como resolver o problema sem atualizar e corrigir o diagnóstico base: o problema principal hoje, mais do que de qualidade de gestão, é de capacidade financeira.
Das salas de comando de algumas montadoras ou sistemistas têm ecoado o alerta de que ao governo cabe resolver esta questão via algum tipo de linha de crédito dos bancos oficiais, em especial do BNDES.
Pode até vir a ser, de fato, um caminho a ser trilhado no futuro, no bojo de uma política automotiva de mais longo prazo que objetiva fortalecer a cadeia produtiva como um todo. Mas agora, convenhamos, pela urgência e pelo risco envolvido, melhor, mais prático e mais consistente, seria buscar soluções dentro da própria casa, no âmbito restrito das relações específicas das empresas do setor.
Mais do que em qualquer outra época, afinal, de tão fragilizadas, estas empresas formam, hoje, os grandes e os incômodos pés de barro que ameaçam esfarelar e sem os quais este setor não tem como produzir nem um mísero patinete.