Até mais depressa do que se poderia esperar, pelo menos as médias e grandes empresas já vem conseguindo se adequar ao hoje tão debilitado e anêmico quadro econômico nacional.
Ao menos no setor automotivo, é cada vez mais comum montadoras e sistemistas informarem que devem fechar este ano com números pelo menos próximos do equilíbrio. E há, inclusive, quem já projete lucro para 2016.
Esta é, sem dúvida, uma boa notícia na medida em que sinaliza que o ciclo de demissões em massa deve estar chegando, de fato, ao seu final. E, sobretudo, que a vida das empresas começa a voltar a um ritmo mais previsível e dentro da normalidade.
Trata-se, contudo, de uma realidade que, como as moedas, tem duas faces. E a outra, infelizmente, nada tem de risonha e alentadora. Bem ao contrário.
Indica, aliás, realidade que deve preocupar, e muito. Principalmente sindicatos e trabalhadores, de um lado, e governo federal e políticos, do outro.
Foco fechado nos números do setor automotivo, em particular, mostra que em resposta à queda nos últimos anos de 50% nas vendas de automóveis, de 70% nas de caminhões e de 80% nas de ônibus e suas carroçarias, as empresas reduziram seu efetivo de pessoal em 25% a 35%.
O restante do ajuste vem sendo feito por meio da retomada das vendas externas, da maior atenção ao mercado de reposição e, principalmente, do aumento da eficiência nas linhas de produção e nas áreas administrativa e comercial.
Este é o lado bonito da história: felizmente havia gordura para cortar. E foi assim, por meio do aumento considerável da eficiência, que as empresas conseguiram sobreviver ainda que com um corte de seu efetivo de trabalhadores razoavelmente menor do que a queda das vendas e da produção.
E é justamente daí que vem a outra face nada risonha desta mesma moeda: sem alternativa, as empresas foram forçadas a se tornar mais eficientes, inclusive por intermédio da maior informatização e automação de suas áreas administrativas, vendas, engenharia e produção.
Na prática isto significa que, dentro de alguns anos, quando a demanda voltar aos patamares recordes do início da década, as empresas necessitarão de menos funcionários para produzir o mesmo tanto que fabricavam naqueles bons e saudosos tempos.
Ou seja: parte dos empregos que desapareceram nestes dois a três últimos anos deixou de existir –para sempre. E, em consequência, parte daqueles que foram demitidos nesta fase – incluindo e talvez até principalmente gerentes e diretores – não encontrarão nova colocação no futuro. Suas funções são agora desempenhadas por bons softwares, excelentes bases de dados ou competentes e disciplinados robôs.
Caminha-se, assim, muito provavelmente, para um largo período de forte descompasso entre considerável contingente de desempregados e reduzida oferta de novos empregos por parte das empresas.
Os sindicatos, portanto, que se preparem: os próximos anos deverão ser marcados por pequeno poder de fogo dos trabalhadores e pouca margem de negociação nos períodos de dissídio coletivo. É meio caminho andado para a redução do salário médio em todas as funções, bem como da eliminação de um bom número de benefícios indiretos.
O governo federal, de seu lado, que tem declarado justa e necessária preocupação com as 12 milhões de pessoas que hoje superlotam as estatísticas de desempregados, precisa atentar para o fato de que, por mais que consiga aprovar todas as reformas a que se propõe – o que por si só já não será nada fácil –, ainda assim muitos dos desempregados continuarão… desempregados. Será a consequência natural do aumento de eficiência que as empresas de forma geral, e as industriais em particular, estão agora sendo obrigadas a perseguir diuturnamente.
E quanto aos políticos de todos os partidos e de todas as tendências, é aconselhável que prestem atenção à surpresa que acaba de ser registrada na eleição presidencial dos Estados Unidos. Ao menos nos estados mais industrializados, a surpresa resultou, em parte, de algo parecido com o que agora acontece no Brasil. Afinal, as empresas instaladas neles já operam, hoje, em patamares de faturamento bastante semelhantes aos que registravam antes de 2008.
No entanto, para sobreviver à grande crise global do final da década passada tiveram de aumentar, e em muito, sua eficiência – inclusive repassando para a Ásia parte da produção, sobretudo de componentes eletrônicos.
Em decorrência, quase dez anos depois da ponto inicial da crise, ainda que o índice de desemprego tenha voltado a menos de 5%, o que configura quase que situação de pleno emprego, o salário real médio se mantém em patamar menor do que no passado.
Trocando em miúdos, nos Estados Unidos, embora a economia já tenha se recuperado o suficiente para animar o FED, o Banco Central americano, a cogitar aumento das taxas de juros, os trabalhadores e ex-trabalhadores, sobretudo os industriais, continuam arcando direta ou indiretamente com as agruras de 2008. E, assim, na hora de votar…
É a diferença da macroeconomia e da política teórica com o mundo real. Resta cruzar os dedos para que, no Brasil, o desfecho da novela, já marcado para o segundo semestre de 2018, seja diferente.