A General Motors vive, em 2016, momento ímpar em sua longa trajetória no Brasil. Ao findar dezembro, a empresa deve comemorar pela segunda vez, em mais de nove décadas de operação aqui, a liderança nas vendas internas de carros e comerciais leves. Mais ainda: também pela segunda vez, e de forma consecutiva, o Onix será o carro mais vendido do País.
Isso tudo, porém, não deixa Carlos Zarlenga, novo presidente da GM do Brasil desde setembro, inteiramente satisfeito. Falta, no seu entender, componente fundamental para que ele defina o período como o melhor de toda a história da empresa aqui: a volta da lucratividade, algo que acredita ser possível somente com a retomada do crescimento da economia brasileira.
O executivo, ainda assim, mostra-se otimista e enumera alguns fatores para justificar a crença da GM de que as vendas internas podem avançar de 12% a 14% já em 2017 e bater em 2,4 milhões. “Nossa única dúvida é em que mês a curva mudará para cima. Pode ser até em algum momento do primeiro trimestre”, diz o argentino de 42 anos que segue acumulando interinamente o cargo de CFO na América do Sul.
Nesta entrevista exclusiva, Zarlenga manifesta ainda sua preocupação com a cadeia de fornecedores, sobretudo se o mercado retomar o crescimento em ritmo mais acelerado. “Tudo o que foi ajustado para baixo, dificilmente pode ser recuperado na mesma velocidade.”
Detalha ainda que a montadora já trabalha forte em um novo ciclo de produtos e que – assegura com ênfase – demandará nível de integração local inicial maior do que o da atual geração, além de novas tecnologias e equipamentos. “Já posso dizer que a evolução que tivemos nesse sentido nos últimos seis anos, não será nada perto do que vem pela frente.”
O senhor assume a presidência no melhor momento da história da GM no Brasil?
Quando a crise brasileira começou em 2013, e eu já estava aqui como CFO para América do Sul e Brasil, nesta mesma mesa tomamos duas grandes decisões. A primeira foi ver a realidade brasileira como ela é e não como gostaríamos que fosse. A outra: não vamos estragar os negócios de longo prazo da GM para contornar a crise de curto prazo. Essas decisões se traduziram na manutenção e até aceleração do ciclo de produtos, com antecipação de alguns lançamentos, prosseguimento dos investimentos anunciados de R$ 13 bilhões até 2019, que objetivam o longo prazo – e até vamos fazer mais com menos ou muito mais com o mesmo –, e em uma oportunidade única para aumentar a nossa eficiência e reduzir custos nas fábricas, fornecedores e rede. Três anos depois estamos em uma ótima posição no mercado, pois os produtos foram muito bem aceitos, mas continuamos a investir e já posso dizer que estamos muito contentes com o que já vimos da próxima geração de produtos. Tudo isso nos ajudará quando da retomada do mercado.
Então é mesmo o melhor momento…
Não, pois não estamos fazendo lucro, assim como toda a indústria. Então, com certeza, não é o melhor momento. Não tivemos lucro no ano passado e não teremos em 2016. Mas há grandes melhorias. Acabamos de anunciar que as operações da América do Sul fecharam o terceiro trimestre com prejuízo de US$ 121 milhões. No ano, já chegou na casa de US$ 300 milhões – e o Brasil tem uma parte muito importante disso, claro. Enfim, estamos muito bem no que diz respeito a cliente, produto e eficiência e na expectativa do que acontecerá quando o Brasil voltar a crescer. Aí sim teremos oportunidade de estar no melhor momento da GM na história.
Barry Engle, presidente da GM na América do Sul, aposta em alta das vendas no Brasil da ordem de 12% a 14% em 2017. Caso isso ocorra, esse melhor momento já seria no ano que vem ?
Creio que um mercado de 2,4 milhões, não permitirá o melhor resultado para a empresa, precisaríamos de um pouco mais. Mas é possível, claro, colher muitas melhorias de resultados já com esse mercado. Estamos vendo, trimestre após trimestre, fortes progressos nesse sentido. É importante ter uma visão histórica para avaliarmos essa nossa projeção. Lembro que estive no Congresso Perspectivas 2016 da AutoData, falei em 2 milhões e muitos me julgaram pessimista, um pouco longe da realidade. Nosso forcast agora aponta 2 milhões e 50 mil veículos em 2016 – e todo mundo falava em 2,5 milhões. Então nossa visão é bem realista. Há três boas razões para acreditarmos em 2,4 milhões em 2017. Historicamente no Brasil, 80% do que se perde em vendas em período de crise são recuperados já no primeiro ano de crescimento. Não acho que desta vez será assim, mas quando o Brasil passa por uma retomada, cresce rápido. Outro aspecto é que nos últimos dois ou três anos perto de 1,5 milhão de veículos deixaram de ser comprados, há uma demanda reprimida. E o terceiro e mais importante é que o índice de confiança do consumidor registrou um crescimento incrível nos últimos sete meses, já está quase em nível pré-crise.
Não existem riscos contrários?
Tem. Qualquer continuidade da instabilidade política, fato hoje não previsto no cenário atual, poderia adiar um pouco esse crescimento.
Falando agora da porta para dentro, a empresa já está adequada para o patamar atual da indústria?
Fizemos um grande ajuste que começou em 2014 e seguiu até o começo de 2015. Então diria que já há algum tempo estamos adequados ao patamar de atividades do setor. O grande desafio agora é ser eficiente no momento da volta do crescimento. Precisamos gerar volumes mas com muita atenção nos custos.
A GM já está preparada para um nível de eficiência que se cobra da indústria brasileira?
Acho que sim. Gravataí, por exemplo, é benchmarking de eficiência e agilidade. Mas a questão da eficiência total é fundamental. O modelo brasileiro de fechar o mercado não foi tão bom. A Argentina acaba de se manifestar no sentido de que gostaria de ver o comércio do Mercosul mais aberto em negociações com os Estados Unidos. Já estamos vendo, então, discussões de maior abertura, o que considero bom, pois envolve competitividade e mais oportunidades. Temos uma indústria no Mercosul grande que pode ser ainda maior. E isso é uma enorme oportunidade de criarmos eficiência. Nesse sentido, temos ainda uma enorme desvantagem com relação ao México, por exemplo. Em muitos aspectos: competitividade de fornecedores e de logística, leis trabalhistas, flexibilidade para investir. Não estamos procurando incentivos, subsídios, mas condições para competir. Então da porta para dentro estamos muito bem, mas o sistema todo tem muito ainda para fazer.
Do contrário, a indústria brasileira ficará restrita ao comércio regional?
Primeiro, é importante dizer que não dá para falar de exportação ou importação da Argentina. Os dois países são um só mercado, integralmente. Não há nenhuma restrição de operar com a Argentina, a não ser o flex, que dá e sobra para as necessidades da indústria. Então podemos ver agora os dois mercados como uma grande base de escala de produção e mercado doméstico, suficientes para desenvolver qualquer projeto disponível no mundo.
Qual a dificuldade então?
É convencer as empresas que daqui a cinco ou dez anos essa base será competitiva, pois afinal os projetos e sua industrialização são de longo prazo, levam cinco anos. Garantir que estarão no mesmo nível dos grandes países exportadores, que neste momento são basicamente México e os asiáticos – os europeus atuam mais no segmento premium. Aqui há custos trabalhistas altos, incertezas de impostos e trabalhistas, e normas que, como o Inovar-Auto, não estão necessariamente vinculadas a expandir essa penetração internacional.
Regras claras e duradouras…
Uma coisa é fazer investimentos para estar no mercado local, outra é investir para ir além dele. As reformas ainda parciais na Argentina, afinal o governo lá tem apenas um ano, e as primeiras conversas com o novo governo daqui sinalizam que os países começam a caminhar nesse sentido. Creio que uma definição por meio de lei ou até constitucional de responsabilidade fiscal, que dá previsibilidade e disciplina fiscal, é um passo importante.
O bloco Brasil e Argentina pode voltar a ser o quarto ou quinto maior polo mundial produtor de veículos?
A melhor forma de descobrir é entendendo o porquê já estivemos lá e não estamos mais. A produção daqui é basicamente para Brasil e Argentina, portanto tem tudo a ver com consumo interno, com a relação carro por habitante, que cresceu muito, mas ainda é muito baixa. Como mercado emergente, então, o Brasil tem enorme possibilidade de voltar aos patamares anteriores. Nossas projeções indicam 3,5 milhões de veículos para 2020. E os planos que as empresas estão fazendo hoje contemplam crescimento não tão exuberante como no passado. O problema é que em 2013, com 3,8 milhões, todo mundo ainda pensava em crescimento de 10% ao ano. Se olharmos 30 anos, isso não existe. Mas a indústria cresce: nesse mesmo período a média anual foi de 5,5%. Tirando alguns poucos anos da China, é o melhor número do mundo. Tenho certeza que nos próximos três ou quatro anos o ambiente será de alta, depois vamos ver. Ciclos existem.
O ponto de inversão começa quando?
Esse é nossa única dúvida. Eu acredito que em algum momento do primeiro trimestre de 2017.
A GM renovou seus produtos rapidamente e o setor de autopeças não escondeu contrariedade com o nível de compras de componentes locais. Como o senhos imagina essa relação com a cadeia para os próximos projetos?
O ciclo de investimentos que está vinculado com os veículos que hoje estão nas ruas, tanto os da GM quanto de outras montadoras, começou com o primeiro real ciclo de plataformas globais no Brasil. E quando os projetos são globais, há mais opções para se escolher uma base produtiva. Ao mesmo tempo, muitas dessas decisões foram tomadas com o dólar abaixo de R$ 2,00, o que faz uma grande diferença. Hoje o índice de nacionalização de nossos produtos está acima de 60%, quase 70%, um nível importante mesmo em termo globais. Poderia ser mais? Sem dúvida. Se olharmos o que mais impactou a rentabilidade neste ciclo de produtos com integração menor foi a volatilidade do câmbio. Para o próximo ciclo de produtos, o crescimento da nacionalização é fundamental e arriscaria dizer que isso vale para a indústria em geral. Mesmo em alguns casos em que o custo no Brasil é maior. Isso porque ninguém sabe qual será o câmbio nos próximos sete anos, período em que esses carros estarão nas ruas. Não vale a pena especular o câmbio, o nosso negócio é vender carro.
Mas os fornecedores já estão preparados para esse novo ciclo de maior conteúdo local?
Com certeza, todos estão preocupados com isso. Se eventualmente tivesse demanda para 3 milhões de unidades em 2017, o problema seria a oferta. Porque tudo o que foi ajustado para baixo, os custos que foram retirados, dificilmente podem ser recuperados nessa velocidade. Estamos trabalhando bem de perto com os fornecedores globais também com os locais, nos quais os problemas são maiores, para ter certeza que teremos ampla capacidade de suprir a demanda. Seria muito triste perder essa oportunidade da retomada. Outro aspecto importante: a renovação tecnológica em cada ciclo de produto é importante para anseios do mercado e aí as diferenças de custos são mais notáveis. Tem ainda muito risco-país, o que faz os fornecedores analisarem muito investimentos em tecnologias novas. E num primeiro momento tendem primeiro a oferecer o componente importado. Mas à medida que evolui, a nacionalização aumentará. O problema é que a inovação é de cada empresa. Não quero que a inovação do meu carro esteja no da concorrência (risos) e isso dificulta também a escala.
Mas o fornecedor também não tem que fazer uma aposta no futuro?
É uma aposta conjunta, na verdade. A pergunta a ser respondida é qual o risco dessa aposta. Lembremos qual era o nível médio de tecnologia e equipamentos dos carros brasileiros há seis anos e comparemos com que temos hoje. Mesmo em carros de entrada. E isso, comparado com o que vem, não é nada. Os sucessores desses carros terão uma oferta impressionante de tecnologia. E, proporcionalmente, a aceleração nos mercados emergentes é muito maior. Acho que o maior risco para um fornecedor agora é não investir em tecnologia de ponta.
Qual foi o acerto na linha atual que colocou a Chevrolet como a marca líder do mercado brasileiro?
Temos hoje o portfólio de produtos mais completo, moderno e vibrante da história da GM no Brasil. Isso contribui, claro. Investimos, simultaneamente, em conectividade – o Onix foi um dos primeiros a contar com a tecnologia MyLink. Diria que foi uma combinação de produtos com oferta da conectividade. Com uma ressalva: ainda temos um grande déficit na oferta de SUVs, um segmento no qual trabalharemos forte daqui para frente. Quando falamos de desempenho do mercado, citamos muito os produtos, a marca, etc, mas não podemos esquecer que a rede é fator fundamental. Acho que ela é o maior ativo que GM tem no País, benchmarking global para o grupo. Algumas montadoras brigaram muito com a rede durante a crise , o que não aconteceu conosco. Ao contrário, ficamos ainda mais próximos. Choramos juntos, mas agora estão vendo o futuro com otimismo conjuntamente também.
Qual, afinal, será a sua principal missão à frente da GM aqui?
Quando me falaram que assumiria a operação, logo pensei: vou pegar a retomada (risos). E em um período desses creio que três coisas serão primordiais. O primeiro é crescer, ter participação ainda mais relevante dentro dos negócios globais da GM, mas crescer de forma rentável e sustentável. Segundo é o investimento em produto, mobilidade – On Star e Mavin não são hobbies pra nós – e muita tecnologia mobile. E por último, absolutamente indispensável, é a renovação de talentos dentro da empresa. Precisamos de mentalidades e visões novas! O que nos faz bem-sucedidos hoje não será o mesmo que nos fará bem-sucedidos no futuro.