No coquetel que antecedeu a entrega do Prêmio AutoData na quinta-feira, 25 de novembro, em São Paulo, a maior parte das conversas giravam, naturalmente, sobre a continuidade além do esperado das dificuldades políticas e econômicas do Pais e os possíveis reflexos desta realidade nas perspectivas do setor para o restante deste ano e, sobretudo, para 2017.
Ficou evidente que, ao longo de novembro, na medida em que os dias passaram sem qualquer mudança positiva no quadro político e econômico, certa dose de frustação tomou conta dos 200 empresários e executivos ligados ao setor que participaram do evento.
O clima não era, ainda, de pessimismo. Mas é certo que diminuíram as apostas em uma retomada das vendas de veículos ainda no primeiro semestre do próximo ano, o que abriria caminho para fechar 2017 com crescimento até acima de 5% em relação a este ano, tal como se acreditava há apenas um mês.
Neste seleto universo, pelo menos, ninguém parecia enxergar mais qualquer possiblidade de início da retomada ainda neste último trimestre de 2016. E quanto a 2017, qualquer crescimento já seria motivo de comemoração, mesmo que bem abaixo de 5%. Na verdade, a simples repetição dos números deste ano já seria bem-vinda.
Como explicar, então, que nos últimos dias pelo menos duas grandes montadoras, uma de automóveis e outra de caminhões, respectivamente Toyota e Volkswagen Caminhões, anunciaram o início de um novo ciclo de investimentos no Brasil?
Acontece que a contradição é apenas aparente. No coquetel do Prêmio AutoData, os mesmos executivos que lamentavam a situação de curto prazo reafirmavam sua crença de que uma vez iniciada a retomada, o setor ingressará num novo ciclo de crescimento constante, da ordem de pelo menos 5% ao ano.
A dúvida, portanto, refere-se exclusivamente ao tempo que ainda será necessário para o inicio da retomada. Ninguém parece ter dúvida que este novo ciclo positivo efetivamente virá. E é para esta fase que todos estão tratando de se preparar.
Vale lembrar que todas as montadoras trabalham, hoje, com boa dose de capacidade ociosa, o que faz com cada uma esteja permanente de olho nos consumidores das outras. E, assim, nem que seja por simples mecanismo de defesa, todos são obrigados a se manter com produtos competitivos e tecnologicamente atualizados.
Assim funciona o setor automotivo: seja nas épocas de bonança, seja nos períodos de crise, ninguém pode dar-se ao luxo de parar de investir. Ainda mais em tempos como os atuais, nos quais a cada ano o rápido avanço dos sistemas de produção e da tecnologia dos veículos encarrega-se de tornar obsoleto boa parte do que foi apresentado como grande novidade no ano anterior.
O caso da Volkswagen Caminhões o Ônibus é um bom exemplo. Valido para o período de 2017 a 2021, o investimento de R$ 1,5 bilhão, conforme mostrou matéria do editor Décio Costa na edição 3.963 da Agencia AutoData, de 2 de novembro, engloba desenvolvimento e renovação do portfólio dos produtos, modernização da fabrica de Resende, RJ, serviços de conectividades e, também, expansão internacional da marca – neste caso justamente para criar uma espécie de camada de proteção em relação às imensas flutuações do mercado brasileiro.
“Nosso negócio é cíclico e continuará assim. Deve demorar um pouco mais do que queríamos, mas estou convencido de que o mercado reagirá e temos de estar preparados para quando a situação melhorar”, sintetizou Andreas Renschler, CEO da Volkswagen Truck & Bus, ao explicar as razões do investimento.
No caso da Toyota, o investimento é de R$ 600 milhões e se destina à ampliação da fábrica de Porto Feliz, SP, que passará a produzir também motores para o Corolla. Neste caso, a razão, segundo Steve St. Angelo, é bem simples: a empresa jamais compromete o longo prazo em benefício do curto prazo.
E neste longo prazo, o que a Toyota vislumbra é um mercado interno brasileiro até maior do que o recorde de 3,8 milhões de unidades registrado há poucos anos.
“Apenas para igualar no Brasil a relação de veículos por habitantes que o México registra, seriam necessários mais de 7 milhões de veículos por ano”, específica. “Não há hoje com projetar quando este crescimento se dará. Mas, a médio e longo prazos, o potencial do mercado é muito grande.”
No curto prazo, de fato, sobram razões para algum desânimo. As coisas andam tão confusas que, na última semana de novembro, ao mesmo tempo em que a Fecomércio-SP, Federação do Comercio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo, comemorava que sua tradicional pesquisa mensal indicava significativa melhora no ICC, Índice de Confiança do Consumidor, a FGV e CNI, Confederação Nacional da Industria, lamentavam que suas pesquisas, igualmente tradicionais, mostravam novas quedas nesse mesmo índice.
De concreto há o fato de que, realmente, ao contrário do que se esperava, a economia como um todo continuou rateando no terceiro trimestre e neste último quarto do ano. E isto levou o relatório Focus, do Banco Central, a registrar, na última semana de novembro, redução de 1% para 0,7% na projeção das instituições financeiras para o PIB em 2017.
Na mesma linha, o Bradesco entrou em dezembro reduzindo de 1% para 0,3% sua própria projeção do PIB para o próximo ano. A explicação apresentada: o consumo das famílias continua apresentando retração, refletindo o esfriamento maior que o esperado do mercado de trabalho.
No horizonte específico do mundo automotivo, todavia, algumas novas luzes deram o ar da graça no final do túnel. Matéria publicada na Edição 3.939 da Agência AutoData, de 26 de novembro, mostrou, por exemplo, que, segundo a pesquisa trimestral da Acref, a Associação Nacional das Instituições de Crédito, o automóvel continua sendo um dos principais alvos de quem pretende fazer um financiamento no Brasil.
Em termos concretos, o levantamento da entidade mostrou que o automóvel está na mira de 59% das pessoas ouvidas, à frente, inclusive, dos imóveis, objeto de 58% dos entrevistados.
Outro indicador importante: este movimento é ascendente. O índice de 59% representou crescimento de três pontos porcentuais em relação aos 56% que haviam sido registrados no trimestre anterior.
Também merece destaque o público que compareceu, em novembro, ao Salão do Automóvel em São Paulo: 715 mil pessoas foram conferir as novidades, apenas 5,4% menos do que as 756 mil que haviam conferido na mostra anterior. Índice de queda bem menor, portanto, que os cerca de 40% de redução verificada na venda de carros entre as duas mostras.
Trata-se de bom indício de que por mais que, pelas mais diversas razões, os consumidores tenham deixado momentaneamente de comprar carros novos, a ligação, o fascínio e o desejo continuam firmes e fortes
Melhor, então, prestar mais atenção na aposta particular da General Motors, de que o próximo ano poderá acabar registrando crescimento de vendas na faixa de dois dígitos, algo da ordem de 12 a 14%.
“Nos últimos dois a três anos 1,5 milhão de veículos deixaram de ser comprados, há uma demanda reprimida”, exemplifica Carlos Zarlenga, presidente da companhia, conforme mostra matéria publicada na edição 327 da revista AutoData, de novembro. “Nossa única dúvida é em que mês a curva mudará para cima.”