É certo que algumas distorções acabaram inflando um pouco os resultados. Mas é inegável que os números registrados pelo setor automotivo em novembro representaram no mínimo um sopro de otimismo, um inegável alento em um ano até agora marcado por tantas e tão continuadas notícias negativas.
Em novembro, de acordo com os números que acabam de ser divulgados pela Anfavea, a produção mensal superou 200 mil veículos, as exportações foram recordes no ano e as vendas diárias somaram 8,9 mil unidades. São resultados que não eram registrados desde meados de 2015.
É bem verdade que colaborou de forma decisiva para este desempenho a retomada da produção pela Volkswagen depois de dois meses seguidos com falta de componentes nas linhas de montagem por desacerto com um de seus fornecedores.
O próprio bom resultado das exportações deveu-se, em boa parte, à necessidade da montadora de colocar em dias seus embarques, também prejudicados nos dois meses anteriores pelos problemas de produção.
E até mesmo a elevação da média diária de vendas igualmente deve ter sido inflada pela volta ao mercado com força total de oferta da Volkswagen, empresa que, em condições normais, ocupa, ainda, a terceira posição do ranking que retrata a divisão das vendas domésticas do setor.
Ou seja: melhor não comemorar, ainda, porque o patamar da produção, das vendas domésticas e das exportações, embora tenha crescido, não é, ainda, o que foi registrado em novembro e que, se mantido ao longo de doze meses, seria suficiente para, pelo menos, igualar ou ficar muito próximo dos números de 2015.
Todavia, de outro lado, este mesmo problema da Volkswagen cuja solução ajudou a inflar os resultados de novembro tinha, antes, prejudicado, e muito, os números registrados pelo setor nos dois meses anteriores. Números, aliás, que por terem ficado bem abaixo do esperado, frustraram aqueles que apostavam no início de recuperação a partir do começo deste segundo semestre.
Em termos concretos, este quadro mais completo indica que o patamar real de produção do setor não alcança, ainda, as 213 mil unidades registradas pela Anfavea em novembro. Mas, em contrapartida, também mostra que ele não é tão baixo quanto 170 mil e 174 mil que tinham sido registradas, respetivamente, em setembro e outubro.
O presidente da Anfavea, Antonio Megale, aposta que, em dezembro, pelo menos, apesar das férias coletivas já programadas por diversas montadoras para o período do Natal ao Ano Novo, a produção deverá voltar a ultrapassar 200 mil unidades, conforme mostrou matéria da editora Alzira Rodrigues publicada na edição 3 967, de 7 de dezembro.
Com isso, ainda que a projeção da entidade para 2016, que era 2 milhões 296 mil unidades, não seja alcançada, o ano deverá fechar com mais de 2 milhões de unidades fabricadas. Ou, mais exatamente, de 2 milhões 100 mil a 2 milhões 150 mil veículos produzidos.
Também na área específica das vendas domésticas, depois do resultado registrado em novembro Megale passou a apostar que a barreira dos 2 milhões de unidades comercializadas será mesmo ultrapassada, ficando, neste caso, bem próxima da projeção da Anfavea, que era de 2 milhões 80 mil veículos.
Quanto às exportações, o presidente da Anfavea projeta que, com o apoio dos números registrados em novembro, as vendas externas superarão 500 mil veículos em 2016. Se confirmado, conforme mostra, na mesma edição da Agência AutoData, matéria de George Guimarães, diretor adjunto de redação, será o melhor resultado dos últimos três anos.
É claro que, quando comparados aos resultados recordes de 2013 – produção de 3,7 milhões de veículos e vendas de quase 3,8 milhões – os números que estão prestes a serem realizados neste ano são inegavelmente frustrantes. Representam queda de 42% na produção e 45,5% nas vendas.
O quadro é particularmente grave nas áreas de caminhões e ônibus, nas quais a ociosidade das fábricas anda na casa dos 70%. É um setor que foi cortado praticamente pela metade. Literalmente.
É preciso considerar, no entanto, que, embora decepcionantes em relação a este passado ainda recente, os números deste ano não serão muito diferentes dos que serão registrados na França e ficarão acima dos que deverão ser anotados na Coreia do Sul, Turquia, Itália e Canadá, entre outros.
E é preciso considerar, sobretudo, que este resultado de mais de 2 milhões de veículos produzidos e comercializados, suficientes para colocar o Brasil, com folga, entre os dez maiores de mundo neste setor, estão sendo registrado com tudo contra. Tudo literalmente contra. Muito contra.
Afinal, em meio a duas crises internas simultâneas, uma política e outra econômica, o Brasil caminha para o segundo ano seguido com queda superior a 3% em seu PIB. Convive, ainda, com as mais elevadas taxas de juros do mundo industrializado e com uma restrição de crédito que é particularmente grave no setor automotivo, no qual seis de cada dez pedidos de financiamento são negados.
Para fechar o quadro, o número de desempregados, que já ultrapassa 12 milhões de pessoas, continua crescendo, ainda que, felizmente, agora num ritmo menor. Na prática, isto significa que todos os consumidores em potencial têm um parente, vizinho ou amigo desempregado, o que mina a confiança em relação ao futuro e é fatal para um setor como o automotivo.
No campo político, o Brasil acaba de cortar o mandato de um presidente eleito pela via do impeachment, o novo presidente ainda não conseguiu se impor e, de quebra, os diversos poderes que compõem a República – Executivo, Legislativo e Judiciário – andam às turras e estão longe de rumar, todos, numa mesma direção.
Simultaneamente, a chamada operação Lava Jato encarrega-se de mandar para a prisão empresários e executivos de alto escalão, bem como políticos de elevado coturno, todos por corrupção. E há fortes indícios de que mais algumas dezenas de pessoas do mesmo calibre acabarão atrás das grades pela mesma razão.
De quebra, três importantes estados da Federação – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais – declaram-se insolventes e sem condições de pagar salários e pensões, no limite até de médicos e bombeiros.
E para colocar ainda mais pimenta no bolo, o governo federal, sem alternativa, tenta aprovar na Câmara e no Senado duas iniciativas de alto poder explosivo, uma que limita os gastos do governo em todos os níveis e outra que muda e endurece as regras de previdência social.
Neste contexto mais amplo, convenhamos, produzir e vender mais de 2milhões de veículos por ano e conseguir se manter entre os dez maiores do mundo automotivo pode até não ser um milagre, mas é, sem dúvida, feito que poucos, pouquíssimos países teriam condições de apresentar
E os números de novembro, então, em particular, registrados na contramão de tudo isto que está acontecendo no País, são, sem dúvida, de encher os olhos.