Nada é mais copiado no setor automotivo do que o Sistema Toyota de Produção. Há décadas que montadoras de todo o mundo tentam se espelhar na empresa japonesa numa tentativa de alcançar os mesmos padrões de eficiência e qualidade que a colocaram no topo do ranking automotivo global.
Tais resultados, no entanto, não são exatamente simples de serem conseguidos. E só podem ser efetivamente alcançados quando o tão decantado Sistema Toyota de Produção é complementado por aquilo que se poderia muito bem chamar de Sistema Toyota de Gestão, cuja essência é atribuída a Eiji Toyoda, que era primo de Kiichiro Toyota, o fundador da empresa, e presidiu a companhia de 1967 a 1982.
Essa interdependência entre os dois sistemas fica evidente quando se tem a chance de conversar mais longamente com Steve St. Angelo, o CEO da Toyota América Latina e presidente do conselho da Toyota do Brasil, que foi eleito Personalidade do Ano na edição de 2016 do Prêmio AutoData.
Na longa entrevista que concedeu para a edição 329 da revista AutoData – que foi coordenada pelo editor Décio Costa e que chegará a seus leitores no início de janeiro – St. Angelo revelou algumas verdadeiras pérolas deste modelo de gestão que merecem ser aqui antecipadas.
Na Toyota, por exemplo, ninguém é questionado ou avaliado pelos números das vendas ou da participação no mercado no mês ou mesmo no ano em curso. Os parâmetros são outros. Bem diferentes. Os índices que são acompanhados de perto são os que medem os níveis de qualidade e, principalmente, de satisfação dos consumidores.
“Nossos consumidores são nosso único patrimônio real”, sintetiza ele. Neste contexto, as vendas atuais são encaradas como mera decorrência natural da maior ou menor satisfação desses consumidores nos anos anteriores.
Nesta mesma linha, o resultado de curto prazo é visto como simples reflexo do zelo com que, no passado, se cuidou do futuro. Ou, em outras palavras, na Toyota o longo prazo tem sempre prioridade absoluta em relação ao curto prazo. Jamais se sacrifica o futuro em favor do momento presente, por mais adverso que este presente se mostre.
É isso o que explica os grandes investimentos que a Toyota vem fazendo no Brasil e na Argentina nos últimos anos, mesmo depois da grande queda da produção e das vendas nos dois países.
A empresa considera que o mercado potencial na região a médio e longo prazos continua sendo muito grande. Maior, inclusive, do que os volumes recordes registrados no início da década. Até bem maior.
Vista a partir deste cenário mais amplo, a derrocada das vendas e da produção nos dois países nos últimos três anos passa a ter sua importância fortemente relativizada.
St. Angelo tem frase lapidar para explicar o raciocínio. Ao justificar a decisão de realizar, há alguns anos, ainda no auge da crise econômica da Argentina, grande investimento para modernizar e ampliar a capacidade de produção da fábrica na qual a Hilux é produzida naquele país, ele diz, simplesmente, que foi algo assim como “comprar ações na baixa”.
Ele não especifica. Mas é certo que o mesmo princípio deve se aplicar, agora, aos investimentos que estão em curso e, inclusive, acabam até de ser ampliados no Brasil. Com a diferença de que, aqui, a empresa não está nem precisando esperar o médio e longo prazos para colher os frutos.
Os resultados estão surgindo de imediato: o Corolla conquistou lugar cativo entre os dez modelos mais vendidos e, agora, com a ajuda do renovado Etios, a empresa está cada vez mais próxima de marcar presença entre as cinco maiores no País no ranking das vendas domésticas.
A recuperação do Etios, que derrapou na época do lançamento, evidencia, por sinal, outra faceta do Modelo Toyota de Gestão. Na empresa, a palavra medo foi abolida. Sempre de olho na qualidade e satisfação do consumidor, ninguém se esquiva de admitir erros sempre que sua correção possa representar um passo à frente nos dois quesitos.
No caso do Ethios, os executivos da empresa logo perceberam que tinha sido um equívoco escolher para produzir no Brasil um carro desenvolvido originalmente para o mercado da Índia.
Os consumidores brasileiros, aprendeu a empresa, são bem mais exigentes e sofisticados. Pois bem: reconhecido o erro, desde então, ano após ano, o modelo vem vendo modificado e agora, bem mais de acordo com o gosto automotivo local, a cada mês conquista novos consumidores.
O mais curioso desta maneira Toyota de ser é que, de certa forma, ela começou a ser forjada não no Japão mas, sim, nos Estados Unidos. O ponto de partida foi o livro Today and Tomorrow, no qual Henry Ford descreveu, em 1926, o sistema de produção em massa que havia desenvolvido.
Anos mais tarde, ainda às voltas com sérios problemas financeiros que quase haviam levado a empresa à falência no final de década de 1940, Taiichi Ohno, considerado o criador do Sistema Toyota de Produção e o pai do Sistema Kanban, teve sua atenção despertada, numa viagem justamente aos Estados Unidos, pela forma como os supermercados americanos recolocavam mercadorias nas prateleiras imediatamente após o momento em que elas eram vendidas.
Era, por assim dizer, o embrião do Sistema Toyota que, todavia, só começou de fato a ganhar suas formas definitivas quando Ohno, já de volta ao Japão, uniu seus conhecimentos aos de Shigeo Shingo, consultor de qualidade, e de Willians Edwards Deming, especialista em controle estatístico de processo (CEP), até hoje uma das principais bases de apoio do sistema.
O próprio Deming, por sinal, como o próprio nome indica, também nasceu nos Estados Unidos, lá se formou e trabalhou em várias empresas antes de se mudar para o Japão e se juntar ao time da Toyota.