Fevereiro chega ao final marcado pela decisão do Comitê de Política Econômica do Banco Central de mais uma vez reduzir a Selic, a taxa básica de juros da economia, em 0,75 ponto porcentual, para 12,25%.
Foi a quarta redução consecutiva e se somou a uma série de indicadores de que a vida econômica do País pode, enfim, estar no rumo de entrar em nova fase, agora positiva. A mudança de humor dos chamados agentes da econômica fica nítida em qualquer conversa formal ou, sobretudo, informal.
Não sem razão. São, afinal: dois meses seguidos, janeiro e fevereiro, com a menor inflação mensal em vários anos; variação acumulada do IPCA em doze meses na faixa de 5,02% e, assim, cada vez mais próxima do centro da meta; confirmação de uma safra recorde pela frente e, ainda, três bancos, Bradesco, Itaú e Banco do Brasil, dando inicio formal e oficial a pelo menos alguma redução da taxa de juros.
Para fechar o quadro de boas noticias, ao explicar as razões da nova redução da Selic em 0,75 ponto porcentual, o próprio Banco Central afirmou, no mais puro economês, que “o processo de desinflação é mais difundido e indica desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo econômico e à política monetária. Houve ainda, uma retomada da desinflação dos preços dos alimentos, que constitui choque de oferta favorável”.
E, ainda mais importante, acrescentou que “uma possível intensificação do ritmo da flexibilização monetária dependerá da extensão do ciclo, mas, também, da evolução da atividade econômica, dos demais fatores de risco e das projeções e expectavas da inflação”.
Na prática e, em linguagem mais próxima daquela que qualquer pequeno empresário, empregado ou consumidor consegue entender, isto significa que se a inflação permanecer sob controle, como tudo indica que deva permanecer, o processo de redução da Selic não apenas será mantido como poderá, sim, se necessário, ganhar mais velocidade para ajudar na retomada da economia.
Tudo isso é música da melhor qualidade nos ouvidos dos responsáveis pela administração de empresas que estão prestes a realizar investimentos ou a contratar mais funcionários.
É certo que: 12 milhões de pessoas continuam desempregadas; índice de desemprego ampliado, que inclui os que fazem bicos entre os desempregados, chega a 21,2%; os juros bancários se mantêm entre os mais elevados do mundo; o endividamento das famílias ainda está bem acima do razoável, e, principalmente, que o quadro político federal permanece um tanto quanto conturbado e indefinido, com reflexos diretos na vida econômica do País.
De qualquer forma, este relativo equilíbrio entre as boas e as más notícias, já com alguma vantagem para as boas, parece tornar cada vez mais provável que o início da retomada da economia seja, a rigor, agora, apenas uma questão de tempo. Talvez até bem pouco tempo. De poucos meses.
No caso especifico do setor automotivo isto significa que está chegando a hora de deixar um pouco de lado o foco nas férias coletivas ainda em curso e passar a encarar de frente uma grande mudança que vem por ai.
Como livre pensar é só pensar, pode-se projetar, sem muito medo de errar, que quando as vendas de automóveis retomarem, os fundamentos básicos deste novo mercado automotivo que emergirá serão muito diferentes dos que existiam há alguns poucos anos, na época das vendas recordes de 3,6 milhões de unidades.
Neste curto período de dois anos, não são poucos os consumidores que, até por falta de alternativa, acabaram percebendo que podem perfeitamente viver sem um carro zero quilometro e, mais grave, que não deixa de ser um luxo desnecessário cada membro da família ter seu próprio carro.
A dura vida real acabou mostrando aos consumidores nestes últimos anos que, com o aumento da qualidade na produção dos veículos, é possível permanecer, hoje, de três a quatro anos com o mesmo carro sem qualquer problema mecânico de vulto. Em boa parte dos casos até sem precisar nem mesmo trocar os pneus.
Além disso, expulsos da base do mercado de carros novos pelo amento da seletividade dos bancos, outros consumidores aprenderam que, com o mesmo dinheiro que antes gastavam para ficar com um carro novo bem básico, conseguem comprar um usado seminovo, bem equipado e, talvez, até ainda na garantia.
E há ainda o fato de que, ao menos nos grandes centros, o automóvel vem perdendo o status de grande coqueluche dos consumidores, de necessidade prioritária de qualquer cidadão.
O orçamento doméstico bem mais apertado forçou muitas famílias a reduzir a frota doméstica para apenas um carro. No começo, foi difícil, incômodo, motivo de brigas dentro de casa. Depois, no entanto, chegaram o Uber e assemelhados — novidade global que vem mudando os hábitos de mobilidade em todo o mundo. E hoje até aquele único carro remanescente da frota doméstica acaba ficando parado na garagem no mínimo porque o estacionamento ao lodo do teatro é muito caro ou, então, porque todos na família preferem beber uma cerveja gelada ou um bom vinho quando almoçam ou jantam num restaurante.
No passado, bastava uma montadora lançar um carro novo para cair nas boas graças dos consumidores e transformar, quase que imediatamente, a novidade em objeto de desejo. Era um tempo em que poucas montadoras disputavam um mercado fechado as importações e os lançamentos de carros se limitavam a três ou quatro por ano.
Agora, com dezenas de montadoras devidamente instaladas no Pais, novos modelos são apresentados quase que toda semana. As vezes até mais de um por semana.
Carro recém lançado acabou por se transformar, em síntese, numa espécie de arroz de festa com quatro rodas. Não fala mais ao coração, a mente e, sobretudo, ao bolso de qualquer consumidor.
Decididamente, nesta época em que os consumidores escolhem os modelos pela internet e usam o Uber para se deslocar até o concessionário na hora de fechar o negócio, as áreas de vendas e de marketing das montadoras, mais do que qualquer outra, vão precisar se reinventar. Completamente.