Nesta reta final de vigência do Inovar-Auto, que se encerra em dezembro, a indústria automobilística está diante de um impasse: embora o setor ainda não tenha conseguido se tornar competitivo em termos globais, a nova política automotiva que está sendo formatada para vigorar a partir do próximo ano precisará necessariamente evitar medidas protecionistas, sob pena de ser torpedeada e inviabilizada pela OMC, Organização Mundial do Comércio.
A questão é complexa. Do muro para dentro, garante Antonio Megale, presidente da Anfavea, as fábricas de veículos instaladas no País já estão entre as mais produtivas do mundo. Todavia, quando expostos as deficiências estruturais e ao custo Brasil, os veículos por elas produzidos perdem todo e qualquer poder de competição com os fabricados em outros países.
De fato, a partir dos incentivos gerados pelo Inovar-Auto, as montadoras, sistemistas e demais fabricantes de componentes com produção local trataram de modernizar seu parque industrial, sem o que não teriam como enfrentar a concorrência das novas fábricas que estavam sendo construídas pelas recém-chegadas, todas já dentro dos melhores padrões globais de qualidade e eficiência.
Foram centenas de milhões de dólares investidos pelos antigos e novos players. Todavia, ao menos no que diz respeito ao poder de competição global dos veículos produzidos no Brasil, bem pouco adiantou.
Já quase no final da vigência do Inovar-Auto o setor continua precisando de uma boa dose de medidas protecionistas para poder enfrentar a concorrência do que vem de fora. E, por decorrência, permanece sem condições de aumentar de forma substantiva as exportações, a menos que conte com um subsídio indireto do câmbio.
Os produtos foram modernizados e a qualidade aumentou. Mas os custos finais e a indispensável eficiência não baixaram o tanto que seria necessário. Bem ao contrário.
E esta foi muito provavelmente a maior e mais importante lição que o setor automotivo e o próprio governo devem ter aprendido com o Inovar-Auto que agora está prestes a se encerrar.
Trata-se do duro e difícil aprendizado de que setor algum é uma ilha. E muito menos um com a complexidade do automotivo e sua extensa cadeia de produção e de comercialização.
É a constatação, agora evidente, de que de nada adianta as fábricas e as empresas serem competitivas se, do lado de fora de seus muros, o País não tiver padrão equivalente de eficiência.
Tal mudança de foco ficou claro no seminário Os Novos Desafios da Indústria Automotiva Brasileira realizado na segunda-feira, 13, promovido por AutoData, em São Paulo: todos os palestrantes diretamente ligados à indústria automobilística – além de Megale, Dan Ioschpe, presidente do Sindipeças, e Philipp Schiemer, presidente da Mercedes Benz do Brasil – foram unânimes na defesa da proposta de que, hoje, bem mais do que subsídios ou medidas protecionistas que aumentem artificialmente seu poder de competição, o que o setor realmente precisa é de um Brasil como um todo mais competitivo.
Foram além e deram toda a real dimensão da questão. Mostraram que, com a fase de grande mudança tecnológica pelo qual vem passando a indústria automobilística no mundo – de longe, a maior e mais complexa de toda sua centenária historia – caso o Brasil insista em manter suas fronteiras fechadas, as empresas instaladas no País ficarão à margem desse ciclo.
Estarão, assim, condenadas a produzir componentes e veículos defasados e com poder de competição limitado, quando muito, ao mercado interno. E, ainda assim, desde que as fronteiras permaneçam fechadas para sempre.
De outro lado, caso o Brasil abra suas fronteiras sem simultaneamente enfrentar e eliminar os problemas que detonam sua eficiência, o setor automotivo instalado no País, por mais que se esforce e invista em modernização de seus produtos e fábricas, não terá como enfrentar a concorrência externa. E, desta forma, como produtor, correrá sério risco de, em dez a quinze anos, ser posto inteiramente à margem da parte relevante do mapa automotivo global.
Trata-se, assim, de uma encruzilhada extremamente delicada, do tipo tudo ou nada. Caso a nova política automotiva, agora em gestação, contemple gradativa abertura das fronteiras automotivas e venha acompanhada do simultâneo aumento da eficiência do País, o considerável porte do mercado interno será a base para que o Brasil possa se consolidar, no futuro, em lugar de destaque entre os cinco maiores produtores mundiais de veículos.
No entanto, caso tal abertura ocorra sem que o Brasil modernize sua legislação trabalhista e tributária, sem que acabe com a corrupção, equacione suas questões políticas e resolva seus problemas de infraestrutura, o setor automotivo – como, de resto, todo setor industrial aqui instalado – corre o risco de chegar naquela situação de que se ficar o bicho pega e, se correr… também!
Ao final de sua apresentação, Schiemer tocou em outro ponto crucial da mesma questão. Projetou na tela imagem de um caminhão que sua empresa está desenvolvendo na Alemanha: elétrico e autônomo.
Trata-se, segundo ele, de nova geração de veículos que aumenta, e muito, a eficiência do transporte e da logística. Mas são produtos que, infelizmente, jamais poderão ser trazidos para o Brasil sem que o País ofereça infraestrutura rodoviária condizente.
Tal como comentou alto executivo do setor também presente ao evento de AutoData, é fundamental, agora, que se faça profunda e corajosa releitura do chamado jeitinho brasileiro, até agora tido e havido como grande vantagem, belo diferencial tupiniquim.
Nada disso. Nada a ver com o poético cruzamento da cultura indígena com a africana, com algumas pitadas dos portugueses e espanhóis. Trata-se, na verdade, da mais pura falta de alternativa. É a prova viva e definitiva de todas as deficiências que precisam ser enfrentadas. E com urgência.