Agora é praticamente oficial: na quinta-feira, 30, ao divulgar o Relatório Trimestral da Inflação, o Banco Central reconheceu, ainda que em bom economês, que, “como o processo de desinflação em curso mostra-se mais difundido”, passa a ter espaço para a “intensificação moderada do ritmo de flexibilização monetária”.
Traduzindo: o ritmo de redução da taxa Selic deve subir de 0,75 ponto para pelo menos 1,0 nas próximas reuniões do Conselho de Política Monetária, Copom, com reflexos diretos, ainda que não imediatos, nas taxas de juros cobradas dos consumidores e das empresas pelos bancos.
Para um setor, como o automotivo, cujas vendas são umbilicalmente dependentes de financiamentos, é uma grande notícia. Afinal, para que a decisão de compra do consumidor seja tomada, bem mais do que o preço total do carro, o que importa, de fato, é se o valor mensal da prestação a ser paga cabe dentro do orçamento.
Na prática, assim, dentro da relatividade que caracteriza os valores constantes nas tabelas de preços das montadoras, a redução do valor da prestação decorrente de qualquer eventual queda nas taxas de juros bancários tem o mesmo efeito que uma redução equivalente nos preços dos veículos. Ou, numa imagem espelhada, o mesmo reflexo que o aumento proporcional do poder aquisitivo do consumidor.
Todavia, fiel ao ritmo do clássico de João Bosco imortalizado por Elis Regina, o “Dois pra lá, dois pra cá”, movimento cíclico que tem caracterizado a vida econômica nacional neste início de 2017, já na sexta-feira, 31, o IBGE encarregou-se de jogar verdadeira ducha de água gelada. Informou que o desemprego do País foi de 13,2%, em média, no trimestre de dezembro a fevereiro, alta de 11,7% com relação ao trimestre anterior é a taxa mais alta desde que o instituto começou a publicar a pesquisa, em 2012.
O efeito, no caso, é diametralmente oposto ao da redução das taxas juros. Afinal, nada como um desempregado em casa para reduzir drasticamente o poder aquisitivo da família e, por decorrência natural, acabar com a possibilidade de viabilizar a compra de um carro zero ou pelo menos de um mais novo.
Segundo os dados divulgados pelo IBGE, que fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio, Pnad, o trimestre em questão fechou com 13,5 milhões de desempregados, 1,3 milhão a mais do que no período anterior.
Com o endividamento das famílias em níveis tão alto, não é à toa que não há como acomodar no orçamento familiar uma prestação adicional ligada à compra de um carro novo. É isto, por mais que o valor desta parcela diminua em razão de eventual queda nas taxas de juros.
É bem verdade que, desta vez, este aumento no número de desempregados traz uma leve, porém muito importante, distorção estatística. Muito provavelmente trata-se de um aumento que teria ocorrido de qualquer forma, ainda que nenhum outro trabalhador tivesse sido demitido,
Explica-se: o IBGE considera desempregado quem não tem trabalho e procurou alguma colocação nos 30 dias anteriores à semana em que os dados foram coletados. Pois bem, com os vários bons indicadores econômicos que tem pipocado com razoável frequência, é bem provável que isto tenha animado muitos trabalhadores que estava em casa há tempos a voltar a tentar encontrar alguma colocação. E foi assim que, por passar a reunir simultaneamente as duas premissas básicas, ingressaram nas estatísticas.
É bem provável que este quadro se mantenha pelo menos inalterado nos próximos meses. É certo que, de um lado, o Índice de Confiança da Industria, ICI, divulgado trimestralmente pela Fundação Getúlio Vargas, FGV, mostrou na quinta-feira, 30, avanço de 2,9 pontos em março, chegando a 90,7 pontos acumulados no período, o mais alto desde maio de 2014, conforme mostrou matéria de Bruno de Oliveira, na edição de sexta-feira, 31 da Agência AutoData.
Todavia, e sempre fiel ao ritmo “Dois pra lá, dois pra cá” da economia nacional, na mesma edição da Agência AutoData matéria de Aline Feltrin mostrou que no relatório trimestral de inflação o Banco Central também indicou que o nível de utilização da capacidade industrial, NUCI, apontou que a alta ociosidade sugere limitações para a retomada dos investimentos em novos equipamentos e, mais grave, para abertura de nossos postos de trabalho.
O próprio setor automotivo registra, hoje, ociosidade de 54%, índice que chega a 80% no universo especifico das fábricas de caminhões. E várias das empresas do setor tem funcionários em regime de Programa Seguro Desemprego, novo nome e formato do antigo Programa de Proteção ao Emprego.
Na prática isto significa que, embora já enxerguem alguma luz no horizonte, como mostra o ICI, a indústria, ainda castigada pelo NUCI, está bem longe de começar a contribuir de forma mais marcante e decisiva para a redução do grande contingente de desempregados que o IBGE constada na Pnad.
É todo este conjunto de fatores que tem feito com que o mercado de veículos permaneça relativamente insensível às mais variadas promoções que têm sido ativadas a cada semana pelas montadoras.
Ainda que às custas de muita perda da qualidade de vendas, o máximo que o setor vem conseguindo é, quando muito, manter as vendas em patamar próximo ao do ano passado, o que equivale a venda de praticamente a metade do que era comercializado antes do início da crise.
As tradicionais fórmulas de descontos com relação ao preço de tabela, IPVA grátis e juros zero mostram-se desgastadas e perdem força. Até porque, depois de tanto tempo seguido de crise, o consumidor sabe muito bem que aquela mesma oportunidade será repetida, senão melhorada, na próxima semana.
É bem provável, então, que esteja chegando a hora de fazer nova mudança na escolha de quem deve sentar á mão direita do CEO nas reuniões da diretoria.
Quando o problema era manter a empresa viva e rentável mesmo com vendas pela metade, está posição foi do financeiro. Depois, na fase das demissões em massa e acordos de redução da jornada, passou para o RH. E, na sequência, quando foi preciso enxugar a estrutura das fábricas, o posto ficou com o diretor de produção.
A rigor, com a confusão que tem marcado a vida de Brasília, apenas o responsável pelas relações governamentais, que no passado por muitos e muitos anos teve este lugar como cativo, vem ficando desta vez, de fora do rodízio.
Agora muito provavelmente chegou a hora da área especifica de marketing ganhar assento a mão direita do CEO. E com a difícil missão não apenas e tão somente de convencer os consumidores de que o produto que sua montadora fabrica é um inegável objeto de desejo.
Agora é preciso mais. Bem mais. Neste momento é preciso convencer o consumidor de que ele precisa e deve transformar este desejo na compra efetiva de um carro. E o mais depressa possível.
Pode até não chegar a ser uma missão impossível. Mas, com certeza, é bem difícil. Um desafio e tanto. Ainda mais nesta fase de Uber e outros que tais.