Depois de um longo e tenebroso inverno que se estendeu por mais de dois anos, o setor automotivo voltou a registrar, em março, resultados positivos em relação ao mesmo mês do ano anterior. E em todas as frentes: vendas domésticas, exportações e, naquilo que fala mais de perto aos interesses da cadeia como um todo, empregados incluídos, também de produção.
É razão mais que suficiente para começar a escolher a marca do champanhe. Mas é melhor esperar um pouco para comprá-la. E mais ainda para erguer um brinde.
A atual crise econômica brasileira vem se especializando em desmoralizar estatísticas. Para o bem e para o mal. E os números de março vem carregados de interferência que, embora pequenas, podem acabar mostrando que, afinal, nem tudo que reluz é ouro voltando a brilhar no balanço das empresas no final do período.
O primeiro fator que precisa ser levado em conta é a quantidade de dias uteis, tanto os de vendas quanto os de produção. Foram 23 em março, três a mais que em fevereiro e um acima do mesmo mês do ano passado.
É bem verdade que a média diária de vendas também subiu e, depois de muito tempo, voltou a superar a casa das 8 mil unidades comercializadas. Mas é igualmente verdadeiro que o fato do Carnaval ter caído nos ultimos dias de fevereiro deve ter postergado para março o registro no Renavan de parte das vendas que, em realidade, foram realizadas em fevereiro e não no mês passado.
E há que considerar, ainda que, em março, a quantidade total de vendas, a partir da qual a média diária é calculada, foi artificialmente puxada para cima por um crescimento anormal das vendas no atacado, cuja qualidade é sempre bem pior do que as relativas ao varejo.
No segmento de comerciais leves, em particular, segundo dados divulgados na segunda-feira,3, pela Fenabrave, o atacado respondeu por nada menos que 62,3% das vendas realizadas, frente aos 45,5% em março do ano passado. Nos automóveis, estes índices foram de respectivamente 34,2% e 26,7%.
Na soma de automóveis e comerciais leves, a participação do atacado no todo comercializado subiu quase dez pontos porcentuais de um ano para o outro. Os 29,5% registrados em março de 2016 chegaram, agora, a 38,1%.
Quanto a produção, a questão do número de dias úteis também deve ser levada em consideração, ainda que por outra razão. Sai o passado e entra o futuro: em abril, com os feriados da Semana Santa e de Tiradentes, serão apenas 19 dias úteis, quatro a menos do que em março.
E, conforme mostrou a Agência AutoData em sua edição de sexta-feira, 7, em matéria da editora Ana Paula Machado, Antônio Megale, presidente da Anfavea, não esconde que, para se antecipar a esta redução do número de dias úteis, algumas montadoras, em particular as mais envolvidas com contratos de exportação, tiveram o cuidado de aumentar a produção ao longo dos três primeiros meses do ano. Isto fez com o setor fechasse o trimestre com 610 mil unidades fabricadas, 24% acima do mesmo período de 2016.
As vendas externas, por sinal, representaram a maior e melhor das surpresas neste início de 2017. Com crescimento de 57,4% em março em relação ao mesmo mês do ano passado, as empresas filiadas a Anfavea encerraram o trimestre com exportações de US$ 3,3 bilhões, 51,5% acima dos US$ 2,2 bilhões anotados em igual período de 2016. Bem mais do que os 7% de crescimento inicialmente projetados para este ano.
Sempre é bom lembrar, todavia, que o dólar permanece estacionado abaixo de R$ 3,30, o que reduz a competitividade dos veículos brasileiro no exterior. E, sobretudo, que, consideradas por volume, 81% das vendas externas do setor estão concentradas em apenas três países: Argentina, 63%, México, 13% e Chile, 5%, conforme matéria do repórter Bruno de Oliveira na mesma edição da Agência AutoData.
Como nota destoante deste amontoado de bons resultados, os veículos comerciais continuaram derrapando. No segmento específico de caminhões, com nova queda de vendas da ordem de 15,3% em março na comparação com o mesmo mês do ano passado, o setor fechou o trimestre com 9 mil 885 unidades comercializadas, 26,3% a menos do que o registrado em idêntico período de 2016 e, mais grave, o pior resultado em vinte anos, desde 1996, conforme computou a repórter Aline Feltrin na Agência AutoData.
Neste caso, contudo, o cuidado com os números deve ser o inverso. Do mal para o bem. Animados com a safra agrícola recorde, com o crescimento das consultas por parte dos clientes e, em particular, com o aumento dos novos financiamentos já aprovados pelo BNDES e que somente deverão se refletir nas estatísticas do Renavan dentro de dois a três meses, a aposta das montadoras continua sendo a de boa retomada no segundo semestre e fechamento do ano com crescimento de pelo menos 10% nas vendas.
De qualquer forma, com tudo devidamente colocado num microprocessador, os resultados de março não deixam de ser um forte alento para um setor que já começava a desconfiar ter encontrado mais um porão no fundo do poço e estar, assim, correndo sério risco de estar a caminho de mais uma vigorosa queda de vendas e de produção em 2017.
Agora, com a queda de vendas em relação ao mesmo período do ano passado restrita a 1,9%, um legitimo empate técnico, já passa a ser até possível manter, sem tanto medo de errar, as projeções oficiais feitas em janeiro pela Anfavea, Fenabrave e Sindipeças, todas apostando que o fechamento de 2017 mostraria alguma luz no fim do túnel, o que seria o ponto de partida para o início de nova fase, agora com sinal invertido, para cima.
Cabe, todavia, uma ressalva: olhados mais em seus pormenores, os números indicam muita disparidade entre os resultados que vem sendo colhidos pelas diversas montadoras, o que parece indicar que, qualquer que seja o resultado do ano, o ranking setorial vai mudar. E muito.
Algumas montadoras mais preocupadas com sua imagem institucional perante o mercado — como, por exemplo, a Toyota e Hyundai — estão aproveitando para ganhar terreno a avançar rumo às primeiras posições do ranking setorial. Em contrapartida, outras, inclusive marcas bastante tracionais, tais como a Fiat e VW, vem perdendo espaço no coração e na mente dos consumidores que, depois, poderão ter muita dificuldade para recuperar.