São Paulo – O Brasil é um país continental em que os meios de transporte público não atendem à população de forma eficaz. Este é um dos motivos, além do fascínio do brasileiro pelo automóvel, para a opção da aquisição de um meio de mobilidade particular. Mas não está fácil para a maioria da população comprar um veículo cujos preços das opções mais básicas, muitas vezes, supera os R$ 100 mil. Mesmo com a situação atual em que as taxas de juros começam a dar sinais de queda e de novas tecnologias aportando por aqui, com lançamentos de modelos híbridos e elétricos. O resultado dessa combinação de paixão com necessidade, e mesmo com todas as dificuldades, é que sete em cada dez brasileiros pretendem adquirir um veículo. São 70% dos respondentes no País que sinalizaram dessa forma, bem acima da média global, em que a intenção de compra é de 44%.
Foi o que apontou o levantamento Índice de Mobilidade do Consumidor realizado pela consultoria EY com 15 mil entrevistados em vinte países, sendo 1 mil e 20 pessoas no Brasil. Quanto à velocidade que se pretende comprar um carro, esta é mesma ao redor do mundo: 64% estão mais propensos a fazê-lo em até um ano e 36% em de doze a 24 meses.
Segundo Marcelo Frateschi, sócio da EY e especialista no setor automotivo, “no Brasil os consumidores têm paixão por veículos”. Aqui é forte a cultura da propriedade do bem, sem falar que o carro também aparece como um símbolo de status. Tudo isto aliado ao fato de que na Europa o transporte público é uma opção de qualidade – ao contrário daqui, o que contribui para que a intenção de compra no Brasil seja mais expressiva na comparação com os países daquele continente.
“No estudo vemos que em alguns países o transporte público aparece como segunda opção de deslocamento e que, no Brasil, ele está apenas na quarta posição.”
O transporte público é utilizado por 34%, atrás de carro próprio, principal escolha para 83%, mobilidade compartilhada, para 44%, e moto, com 35% das respostas.
Para 54% dos que declararam pretender adquirir carro novo a opção é por um 0 KM. E como o brasileiro gosta de testar novidades veículos eletrificados têm atraído a atenção do consumidor – ainda que ele não possua condições reais de comprar ou que para o seu uso o modelo não seja a opção mais inteligente:
“O brasileiro não costuma fazer as contas. O quanto uso meu carro e quanto ele me custa? Mesmo um veículo elétrico, para falarmos que compensa, é preciso rodar determinada quilometragem. Apenas se eu rodar tantos mil quilômetros fica mais barato do que um veículo a combustão. Agora, se rodar só 2 mil quilômetros por ano, não valerá a pena. Mas as pessoas fazem a conta de quanto custa por mês e se a prestação cabe no bolso?”.
Daqueles que declararam que pretendem comprar um carro 57% querem um híbrido ou elétrico – o porcentual fica ligeiramente acima da média global, de 55%. A maior preferência se dá pelo híbrido, 24%, e pelo híbrido plug-in, com o mesmo porcentual, sendo que 9% almejam um modelo 100% a bateria.
Para 46% esta maior inclinação por eletrificados se dá em razão dos preços elevados dos combustíveis aliado à preocupação com as emissões de CO2, que responde pelo mesmo porcentual. Outros motivos são, para 27%, a capacidade de tração integral e, para 24%, a melhor eficiência do motor. Ainda, para 20%, atrai o fato de a manutenção ser mais fácil.
“A pesquisa traz uma boa e uma má notícia para as montadoras. A boa é que o consumidor brasileiro quer continuar comprando carros, o que deve seguir gerando demanda. A má é que precisam agir rápido para atender a esta expectativa de compra por modelos eletrificados.”
Para Frateschi trata-se de processo que envolve toda a cadeia, uma vez que os fabricantes de autopeças devem se preparar para atender o que as montadoras vão requerer, mas, antes, é preciso que todos definam esta rota.
Ele contou que a pesquisa começou na pandemia, a fim de entender como as pessoas pretendiam se mover durante e após. Mas, ao perceberem que ela realmente era uma enquete de intenção, que poderia ser um termômetro e um sinalizador do futuro para as montadoras, ajustaram as perguntas para que tivesse o efeito de compreender melhor qual a demanda real. Por isto estenderam o questionário para consumidores brasileiros, pela primeira vez, em 2023 – por este motivo também não há base de comparação anterior.
O especialista da EY ressaltou que há grande dúvida sobre o que predominará na mobilidade, se micromobilidade, last mile, veículos elétricos, emissão de CO2, legislações se comprometendo a não produzir mais veículos a combustão, principalmente na Europa, o uso de hidrogênio: “Percebemos uma tendência muito diversificada das fabricantes. Não é que todas estão seguindo a mesma linha. São vetores completamente diferentes. Para onde vamos? Qual o futuro do setor?”.
E ele continuou apontando que o Brasil não firmou nenhum acordo, felizmente ou infelizmente, para reduzir as emissões, até porque está aquém de países desenvolvidos no quesito infraestrutura: “Algumas montadoras entendiam que a vida do carro a combustão seria um pouco mais longa. Mas vieram os chineses, que em pouco tempo ganharam market share enorme, surpreendendo a todos, em termos de qualidade, design e tecnologia. E, de novo, o setor teve de parar para repensar suas rotas”.
Frateschi mencionou o imposto de importação como ferramenta para regulamentar e tentar brecar um pouco a entrada dos veículos feitos sobretudo na China. Mas, segundo ele, principalmente, para tentar proteger a indústria automotiva local e ganhar tempo para que haja a transição na produção nacional. Ele se referiu à retomada gradual da alíquota a partir deste mês, até 2026, para 35%, e mencionou que o fato de GWM e BYD terem adquirido fábricas no Brasil para iniciar a produção local dinamizará ainda mais esse mercado.
Eletrificados: preço e incertezas dos gastos preocupam o consumidor.
Na outra ponta da balança pesam contra o custo de aquisição destes veículos para 38%, a falta de estações de carregamento para 36% e, para 30%, a infraestrutura inadequada de carregamento. Para 29% a incerteza de gastos que envolve o uso e manutenção esses veículos preocupa, e 20% ficam mais confortáveis com veículos a combustão.
Frateschi destacou que o Índice de Mobilidade do Consumidor aponta, entretanto, que proprietários de veículos eletrificados têm a intenção de trocá-los por outro eletrificado. Inclusive, muitos dos que possuem um híbrido pensam em, posteriormente, migrar para um elétrico, “e isto indica a satisfação por parte dos poucos consumidores dessa forma de propulsão. Mais de 50% dos interessados disseram topar pagar até 40% a mais do que um veículo a combustão por um elétrico”.
Ele lembrou que apesar de as pessoas terem de aprender a guiar um veículo elétrico, e que questões como o tempo de vida útil da bateria e o valor do carro no futuro ainda serem incógnitas, assim como é difícil dizer qual o ritmo de investimentos em infraestrutura de carregamento essa preferência tende a crescer no País.
“Acho que é um caminho sem volta. Não há como irmos contra estas tecnologias, dizer que no Brasil isso não acontecerá em 2030. Vivemos em um mundo globalizado, as montadoras são globais.”
Frateschi utilizou o exemplo da Ford, ao citar que todo produto da marca hoje é importado e que se na Europa e nos Estados Unidos não puderem mais ser produzidos veículos a combustão terão de ser exportados ao Brasil veículos elétricos: “No passado diziam que as ondas demoravam a chegar ao País. Hoje é tudo mais dinâmico. Quem achou que o carro elétrico iria demorar para emplacar aqui estava com a previsão meio equivocada”.
Conectividade se destaca principalmente por recursos de monitoramento
Frateschi ressaltou que o brasileiro é muito antenado ao novo e à tecnologia, e ele deseja sempre que possível estar atualizado. E o estudo apontou que dadas as condições de segurança do País os recursos de monitoramento de localização são os mais valorizados, para 69% do total, ante 44% ao redor do mundo.
“Aqui este porcentual é elevado por causa de problemas só nossos, são as nossas jabuticabas. Mas este monitoramento exerce papel importante também para baratear o custo do seguro automotivo.”
Alertas de trânsito em tempo real são recursos importantes em carros conectados mas menos de 20% dos entrevistados desejam ferramentas como pagamentos no carro e alertas automáticos de serviço. 53% dos entrevistados estão dispostos a pagar mais por itens de segurança, como as chamadas de emergência automatizada. A preferência por pagar por uso é maior do que por pagamentos antecipados para os brasileiros, 45% contra 38%.
Quanto ao tipo do veículo mais desejado pelos brasileiros os SUVs continuam no topo das intenções, com 37%, seguido por sedãs, com 34%, hatches, 14% e 7% picapes. O levantamento da EY apontou que, na média global, a ordem de preferências é a mesma, apenas os porcentuais mudam um pouco, para 39%, 32%, 16% e 4%, respectivamente.
Com relação ao local de aquisição as concessionárias e os showroons seguem em alta na preferência de 60% dos brasileiros, apesar da importância de canais digitais na fase de pesquisa pelo produto. Na média global este índice é de 61%.
Sobre o perfil dos respondentes: 51% eram mulheres, 26% residiam em São Paulo e 9% no Rio de Janeiro, 39% eram millenials, ou seja, nascidos de 1985 e 1999, e 28% da geração Z, de 2000 a 2010, 52% integravam a classe média e 29% eram de baixa renda, 40% possuíam graduação e pós-graduação e, 38%, ensino médio, 56% residentes em áreas centrais das cidades e 19% em cidades de médio porte.
Nova edição do índice da EY será realizada em 2024 e os dados do Brasil poderão ser comparados aos da pesquisa feita no ano passado.