O emplacamento de 2 milhões 204 mil automóveis e utilitários leves de janeiro a novembro praticamente consolida o cenário de um ano bastante acima das expectativas de doze meses atrás, quando os fabricantes de veículos esperavam um desempenho modesto, com crescimento na casa dos 5%, projeção que saltou para 11% no meio de 2024 e agora avança para 15%.
Locadoras comprando mais e crédito disponível – mesmo que caro – explicam o crescimento acima do esperado, que não traz nenhum benefício direto ao consumidor final pois os veículos novos, com preço médio de venda acima dos R$ 150 mil, continuam inacessíveis para a grande massa de viventes no País.
Ainda assim a praticamente confirmada expansão das vendas em torno de 15% significará a soma de cerca de 2,5 milhões de veículos leves zero-quilômetro emplacados até o fim deste ano – o que confirmará a projeção da associação dos concessionários, a Fenabrave, recalculada no início de outubro de 12% para 15%, com o sentimento de quem está “com o umbigo no balcão”, como vem dizendo o presidente da entidade, José Maurício Andreta Júnior.
Este resultado confirma duas afirmações: existe demanda reprimida por carros no País e o volume de vendas poderia ser bem maior se os preços e juros não fossem tão altos.
Mais crédito
O crescimento acima do esperado consolida a velha máxima do mercado: o que vende carros, nesta ordem, é emprego e crédito. A taxa de desemprego na casa dos 6%, o menor nível em uma década, significa maior renda disponível e confiança dos consumidores para tomar empréstimos e dos bancos para concedê-los.
Não à toa o volume de automóveis e comerciais leves vendidos por financiamento já cresceu 25% este ano até outubro, segundo acompanhamento da B3, e no mesmo período, de acordo com o Banco Central, as concessões para pessoas físicas avançaram 38%, alcançando quase R$ 20 bilhões só no mês de outubro, o maior valor mensal de 2024.
O desempenho ocorre a despeito da alta do juros dos financiamentos de veículos, que segundo o mesmo levantamento do BC alcançou a média de 25,9% ao ano em outubro, a maior taxa dos últimos doze meses. O que comprova outra máxima: não importa o tamanho do juro se a prestação couber no bolso.
A expansão do crédito para a compra de veículos por pessoas jurídicas, as empresas, é bem mais tímida: ainda segundo o BC foram concedidos R$ 5,8 bilhões em outubro, que apesar de ser o maior valor mensal de 2024 é 3,5 vezes menor do que o concedido a pessoas físicas no mesmo mês.
O crescimento das concessões de financiamentos a empresas este ano alcança 14%, menos da metade do desempenho dos financiamentos a pessoas físicas, mesmo com juro bem mais baixo a pessoas jurídicas, que pagam taxa média de 17% ao ano.
Esta grande diferença aponta que a maior concessão de crédito explica o crescimento de pouco mais da metade do mercado de veículos, as compras nas concessionárias por pessoas físicas, que de janeiro a novembro representaram 54,6% das vendas, ou 1 milhão 220 mil unidades, segundo levantamento da consultoria Bright.
Este volume resulta em crescimento de 23,8% dos negócios fechados no varejo sobre os mesmos onze meses de 2023, porcentual que ficou bastante acima da expansão média do mercado este ano.
Locação puxa vendas diretas
Outra metade do crescimento do mercado brasileiro de veículos em 2024 foi puxada pelas vendas diretas, modalidade na qual o fabricante fatura o carro diretamente ao consumidor final, sejam empresas ou pessoas físicas, com ou sem intermediação das concessionárias.
Este instrumento é utilizado atualmente não só para vendas a empresas ou locadoras mas, também, vem crescendo bastante o faturamento direto a pessoas físicas com intermediação de uma concessionária. É uma forma de não comprometer o caixa do concessionário com estoques e sustentar descontos da fábrica.
Segundo dados da Bright de janeiro a novembro as vendas diretas representaram 45,4% dos emplacamentos, ou pouco mais de 1 milhão de unidades, em crescimento modesto de 6,5% sobre o mesmo período de 2023, mas esta porção cresceu bem mais nos últimos meses, chegando ao recorde de 51,8% em novembro, o que sinaliza que empresas e locadoras estão aumentando substancialmente suas compras na reta final do ano.
Este movimento sempre acontece quando o crédito a pessoas físicas começa a ficar mais caro, o que reduz as vendas de varejo e faz os fabricantes correrem para a vendas corporativas.
Mais da metade das vendas diretas foram para locadoras, que segundo a ABLA, associação que reúne empresas do setor, deverão encerrar 2024 com a compra de 620 mil novos veículos, 5% acima do que compraram em 2023, absorvendo cerca de um quarto das vendas de automóveis e comerciais leves no País.
Ainda segundo a ABLA a frota das locadoras no País deverá somar 1 milhão 650 mil veículos ao fim deste ano, superando em 80 mil unidades o número de 2023. Deste total 880 mil, ou 53%, são locações de longo prazo, a maioria para de frotas de empresas. Neste número já estão incluídos 180 mil carros locados em programas de assinatura, em contratos de um a três anos.
A frota de carros por assinatura divulgada pelas locadoras cresceu 44% este ano e aprofunda uma mudança em curso no mercado brasileiro: a transição da posse pelo uso do bem, ou a troca da compra do automóvel pelo aluguel de médio e longo prazo, que em meio às modalidades de locação é a que mais cresce.
Mas o número da ABLA aparentemente é menor do que o real volume da frota de locação por assinatura, pois só considera as locadoras que têm esta oferta. Existem mais jogadores neste jogo, como diversas empresas das próprias fabricantes criadas nos últimos quatro anos especificamente para alugar carros em programas de assinatura, ou até mesmo concessionárias que oferecem planos próprios com suas frotas.
Não deixa de ser uma opção para quem precisa de um carro para rodar todo dia e não tem o dinheiro da entrada. O valor das parcelas do financiamento é parecido com as da assinatura, com a diferença que ao fim do contrato o locador devolve o carro e não tem o valor do bem usado para dar de entrada no novo. Seja lá qual for a opção o resultado é o mesmo: o mercado está crescendo com preços que em nada beneficiam o consumidor final.