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6 LENTES Abril 2023 | AutoData Por Vicente Alessi, filho Sugestões, críticas, comentários, ofensas e assemelhados para esta coluna podem ser dirigidos para o e-mail vi@autodata.com.br FORD TINHA BOAS RAZÕES Acredito entender melhor agora, com pouco mais de dois anos passados, o conjunto de razões que levou a Ford a deixar suas operações produtivas no Brasil e sua decisão de tornar-se apenas empresa importadora. Esta é apenas uma pensata de quem tem tempo para isto, mas acredito, mesmo, que a principal razão da Ford foi a sua percepção da desimportância que viria a ter o Brasil industrial e, on-board, o Brasil automotivo. Vejam os números do primeiro trimestre deste ano relatados por Anfavea e por Fenabrave: são o suficiente para que a indústria, o comércio e os serviços do setor de veículos desfraldem bandeira furada e empoeirada – onde a descobriram? – de outras batalhas, a do carro popular. Será que a ideia ainda funciona depois dos Teimoso e Pé de Boi e daquelas versões 1.0? E ressuscita ancorada, quem sabe, numa novíssima Câmara Setorial. [Vejam a reportagem, publicada em 22 de março pela Agência AutoData, ao cobrir o Seminário Megatendências.] Não será muita marcha à ré? Talvez a Ford tenha descoberto nossa marcha à ré muitos anos atrás... FORD TINHA BOAS RAZÕES 2 Outra razão que me assalta com relação à defecção da Ford é a observação do grande jogo de xadrez em todo o mundo, agora com a prestigiosa presença da China como um grande player. Antes da eletrificação, seja ela qual for, a bola da vez eram os veículos autônomos: só se falava disto nos elevadores e estacionamentos e refeitórios e mictórios de Detroit e de outras capitais do automóvel, inclusive no Brasil. E foi nesta quadra, que seria a dos autônomos, que a Ford decidiu fazer picar sua mula daqui. Ela sabia, e desconfio que todas as outras também, que o tamanho dos pés brasileiros automotivos não era suficiente para aquele jogo, de país rico com população média detentora de renda decente e de gerador de políticas de Estado dignas deste nome. Jogo para países de primeiro, ou de segundo, mundo. Não. Somos País de muitas reservas, é verdade, mas aquilo que a elite faz com o resto é, sim, inominável. Temos uma antiga classe média e média baixa transformada em empreendedora que não tem condições de comprar um carro 0 KM. E abraçamos uma multidão de pobres para os quais a elite não liga mas que também não compra carros. Depois vem a carga tributária e toda a estrutura de taxas, impostos e assemelhados, que lembra a quem a conhece com um pouco mais de profundidade a ideia de criar dificuldade para vender facilidade. FORD TINHA BOAS RAZÕES 3 Mas no meio do caminho neurônios a serviço dos interesses hegemônicos, os think tank, descobriram que não era, ainda, chegada a hora dos veículos autônomos: estes viriam depois pois havia grande incêndio a ser apagado antes. Pois era a hora de adotar a causa ESG, a governança social, ambiental e corporativa, e particularmente o verbo descarbonizar deveria ser bem conhecido em todas as línguas e em todas as bocas. Mas não apenas este verbo, mas todo um grande rol de novos comportamentos que atropelassem as grandes discriminações históricas, cujas estruturas estavam sendo atacadas no mundo todo, tendo como máquina-locomotiva a salvação do meio ambiente que estava indo pro brejo. Ou seja: mudou a prioridade do

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