389-2022-06

9 AutoData | Junho 2022 Viajamos em Bandeirante executivo fretado, com direito a soda limonada gelada tomada no bar do campo de pouso de Porto Nacional, antes Goiás, hoje Tocantins. A viagem fora armada para tentar desafogar a pressão sobre o negócio agrícola da empresa e para mostrar, a nós, que não havia nem desmatamento nem fogo ilegal na floresta. Tudo começara quase dois anos antes, durante a reunião anual da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em Belo Horizonte, MG, quando a Volkswagen foi denunciada, em trabalhos científicos, por desmatar áreas maiores do que as autorizadas pela Sudam, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia. Diziam que o pasto da fazenda surgia depois de roçadas as maiores fogueiras do mundo, tudo registrado por satélite. Era a defesa do meio ambiente bem nos seus primórdios, quando a poluição ainda surgia como a grande vilã. Em clima de embate, sem que os lutadores tivessem acumulado riquezas conceituais a respeito da questão ambiental, uns diziam que os outros exageravam largamente os seus argumentos e os outros diziam que os primeiros devastariam toda a Amazônia até o dia seguinte. Claro que a discussão era permitida pelos senhores do poder, representantes da ditadura civil-militar de 1964: não se falava de política, não se falava de direitos humanos nem de tortura, não se falava da própria ditadura nem de censura aos meios de comunicação, mas falar do ambiente não estava no índex dos poderosos. QUANDO A POLUIÇÃO ERA A VILÃ 3 Enquanto estivemos na fazenda eu e Marcelinho não vimos um fiapo de fumaça no céu nem encontramos alguém que falasse sobre desmatamento ilegal – e muito menos de trabalho escravo na região. O que mais vimos foram crianças se divertindo no pátio da escola da fazenda e pais e mães vestidos para festa, um farto churrasco durante o qual Sauer, numa rara camisa de mangas curtas, subiu a uma mesa e fez discurso em defesa da fazenda, dos bois, dos empregos de quase todos que estavam lá e da ideia de tornar a região polo exportador de carne “para o mundo”. Mas a pressão foi mais forte do que a vontade, dirigida particularmente sobre a matriz, na Alemanha, que afinal capitulou e tratou de se livrar, em 1986, de um pilar de sua deficiente imagem pública detectada por pesquisas. Muito papel e tinta da época contaram a história da Fazenda do Vale do Rio Cristalino, as denúncias de irregularidades e a defesa enfática da companhia a respeito de suas atitudes e procedimentos ali. E a história toda se manteria fora de minha lembrança não fosse a divulgação de convocação, à Volkswagen, feita pelo Ministério Público do Trabalho, para audiência administrativa para apurar o que, afinal, houve ali no Sul do Pará 36 anos depois que a empresa vendeu o negócio.

RkJQdWJsaXNoZXIy NjI0NzM=